19/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Lorotas da derrota

Publicado em 24/10/2018 12:00 - Rodrigo Amém

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Dizem que o luto passa por cinco fases: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Depois de domingo, parte do Brasil começou seu processo de luto. No momento em que escrevo, presenciamos a transição da negação (resistência, impeachment, ódio aos isentões) e entramos na raiva. E é justamente deste lugar super saudável que os filósofos de timeline começam a destilar uma (compreensível) quantidade de bobagens sobre o resultado das urnas. Esses são as minhas cinco ladainhas favoritas.

1 – O PT precisa reconhecer erros

De Gabeira a Ancelmo Gois, sabichões do mundo afora batem nessa tecla: é preciso fazer uma autocrítica e reconhecer os seus "erros do campo moral". É o tipo do discurso que soa sensato mais foi pescado do tradicional poço de platitudes do Segundo Caderno. Toda vez que algum partido um pouquinho mais à esquerda do centro perde uma eleição, surge essa cobrança pela confissão dos erros. Enquanto a direita faz rebranding, troca o nome dos partidos e um ou outro gatuno sai de cena, a esquerda precisa "assumir". Assumir o quê? A responsabilidade pelas saliências éticas de todos os seus membros? E com que objetivo? Para ser "perdoado" pelos anti-petistas? Estes eleitores receberão o mea culpa como um presente, uma confirmação de suas convicções. E para o petista, será apenas mais uma forma de constrangimento. Pedido de desculpas não vira voto. Bola pra frente.

2 – A esquerda tem que voltar ao povo

Essa até o Mano Brown, garoto-enxaqueca profissional, mandou no palanque do Haddad. O PT tem que subir o morro, colocar o pé no barro, bla-bla-bla. Não. O partido tinha apoio do povão não porque entrava na comunidade, mas porque entrava na fábrica. Porque tinha raízes na militância sindical. Era "dos trabalhadores", sabe? O trabalhador via o fulaninho-candidato brigando pelos seus direitos contra o patrão. Hoje em dia, é ruim o PT subir o morro vigiado pelo traficante que lava a grana no dízimo do templo. Quer reconquistar o voto que o pastor sequestrou? Vai ter que se fazer presente – e útil – na vida daquele cidadão. E "eu prometo ouvir as demandas da comunidade de forma democrática e transparente" não cola mais. Aliás, quando que colou, né?

3 – A culpa é do Ciro

Não existe crise sem bode expiatório. Pois é. O Ciro Gomes não pediu para todo mundo "pelaomordedeus" votar no Haddad no segundo turno. Isso fez dele o culpado pela vitória do Bolsonaro. Culpado por, em função de um projeto de poder vaidoso e egocêntrico, colocou a luta pela democracia em segundo plano e não apoiou o candidato da esquerda com chances de vitória. Lula, meu querido. Quem fez isso foi o Lula.

4 – O momento é de união

A direita tem a aparência de bloco porque, em linhas gerais, defendem as mesmas não-soluções dogmáticas: venda de estatais, redução seletiva de impostos, fim da concorrência na corrupção. A esquerda não é um monolito. Nunca foi, nunca será. Podemos até discutir se essas agendas têm peso político para influenciar o voto do tiozão do churrasco. E essa é uma discussão válida (Resposta rápida: não têm).  Mas sugerir que a esquerda tem que ser uma só para virar o jogo só faz sentido para quem já acha que esquerdista é tudo a mesma coisa. Não, queridos. O momento não é de união. Guardem o sincretismo dissimulado para depois. Será muito necessário e não convém gastar.

5 – "Temos que torcer para dar certo".

Temos? Temos que torcer para que Bolsonaro acabe com "tudo isso que está aí"? Ou devemos cruzar os dedos para que ele se demonstre incapaz de acabar com "tudo isso que está aí"? O que é "dar certo" para o Brasil que aporismou no domingo 28? Esse é o problema. Ninguém sabe o que virá e que forma se dará o "certo". Podemos torcer para que o dólar caia, a bolsa suba, pela cura do câncer e pela volta do Menudo. Mas, ao contrário da crença do brasileiro médio, "torcida" que dá resultado é só o salgadinho. E ainda assim, não é o resultado que esperamos.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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