29/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

O meu Estado sou eu

Publicado em 05/10/2018 12:00 - Rodrigo Amém

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Era uma vez o Kansas. Um estado literalmente quadrado, literalmente no meio dos EUA. Um pouco menor que o MS. Mais ou menos a mesma população. Assim, como o MS, pecuária e agricultura são fortes na região. 90% do território é fazenda. E quem não trabalha na roça, trabalha no comércio e no setor terciário, como no MS. Aí é aquele dinheiro viciado. Sai da agricultura, vai para comércio e impostos. Sai do comércio, vai para agricultura e impostos. Vocês conhecem a história.

Aí um governador Sam Brownback, republicano (liberal com dinheiro, conservador com o fiofó dos outros), foi eleito. E, para variar um pouco, decidiu fazer o que o seu partido sempre pregou: uma reforma tributária neoliberal.

Um dos pontos centrais da reforma de Brownback era cortar o imposto para empresas de 7% para zero. Isso mesmo. Empresa não pagaria mais impostos. O governador esperava, com isso, que todo mundo se mudasse para seu Kansas. Seria, nas palavras do próprio, "uma injeção de adrenalina na economia".  E, com novas empresas, haveria mais empregos, mais consumo, enfim, crescimento econômico.

Em termos práticos, a reforma tributária significou 700 milhões de dólares anuais a menos. Imagine o que aconteceria com o MS com esse tipo de corte orçamentário. Pois é. Demitiram professores, fecharam escolas, obras pararam, fundos de pensão de funcionários foram irremediavelmente afetados.

O rombo nas contas públicas de Kansas gira em torno de 900 milhões de dólares, oito anos depois da tal "injeção de adrenalina". E a câmara dos deputados reverteu a política de imposto zero para empresários no estado. Num quadro geral, Kansas cresceu menos que todos os outros estados americanos no período.

O que se fez de Brownback? Ele se arrependeu? Mudou de ideia? Não, senhores. Hoje ele é membro da equipe econômica de Trump. Aí fica a pergunta: por quê, se a sua política carro-carro chefe fracassou?

Porque não fracassou.

Sua injeção de adrenalina deu aos empresários exatamente o que eles queriam. Pagar menos impostos. Uma parcela desse dinheiro foi convertida em doação para a campanha de reeleição de Brownback. E ele venceu, mesmo com o estado quebrado. Foi essa mesma elite que facilitou a ascensão dele à Casa Branca.

Para nós, fica a impressão de que o governador "fracassou para cima". Mas essa é uma visão equivocada. Para quem lhe era de interesse, seu governo foi um sucesso. Realizou o que está no centro da política neoliberal: pagar menos impostos. Missão cumprida.

O Estado mínimo a que os "novos" liberais se referem é isso: os problemas da comunidade não são da minha conta, nem saem da minha conta. Eu pagarei por um "Estado privado" pessoal que atenda à minha família. A escola, saúde, segurança da sua família são um problema seu.

De certa forma, o espírito neoliberal se apropria da famosa frase atribuída a Luiz XIV  "L'État c'est moi". "O Estado sou eu", teria dito o imperador. A diferença é que o neoliberal diz: O MEU Estado sou Eu." Você que se vire. E o povo, que coma brioches.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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