19/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

O voto é secreto, lembra?

Publicado em 05/09/2018 12:00 - Rodrigo Amém

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O que não falta nas redes sociais é gente proferindo amor e fidelidade a presidenciáveis de todas as procedências. Este pleito marca presença nas redes sociais com toda força e não dá sinais de arrefecer. Todo mundo batendo no peito e gritando: "Este é o meu candidato". Parabéns pela convicção (sempre destemível, sempre questionável). Mas tenho razões para acreditar que é do interesse do eleitorado (e da democracia como um todo) que o voto seja uma decisão íntima e secreta, para o bem de todos e felicidade geral da nação:

1 – Seu voto declarado não influencia outros eleitores

Existem duas possíveis consequências de um voto publicamente declarado. a) Um amigo que já tinha optado pelo mesmo candidato curte, compartilha, elogia a coerência da escolha. B) Outro amigo, que optou por um outro candidato, entende sua escolha como uma crítica velada e vem tomar satisfação, questionando – na pior das hipóteses – sua inteligência e caráter. É o tipo de bate-boca sem vencedores.

2 – Seu voto municia o adversário

Em tempos de internet, sua opinião não é apenas uma opinião. É dado e pode ser comercializado, estudado, mapeado. Empresas e partidos compram informações sobre você para traçar estratégias de "persuasão". De uma hora para outra, sua rede passa a mostrar conteúdo negativo relacionado ao seu candidato. São os cabos eleitorais da era digital tentando reverter sua escolha ou, pelo menos, impedindo que ela se alastre entre seus amigos e familiares. Você, que não sabe de onde vem tanta bala, começa a se sentir isolado e frustrado. Passa a xingar as pessoas, Caps Lock ligado. O que você não sabe é que esse fim de mundo foi desenhado especialmente para você pelo algoritmo do adversário.

3 – Seu voto encurrala seu próprio senso crítico

Seres humanos gostam de pensar que são racionais, centrados, que fazem escolhas baseadas em fatos e não se deixam levar pelas emoções. Tudo mentira, infelizmente. Somos seres impulsivos, sujeitos à influências de fatores internos e externos que nem sequer percebemos. Quando fazemos uma opção por um candidato, produto ou até mesmo estilo musical, criamos uma identificação subconsciente com tal escolha. Em outras palavras, procuramos instintivamente formas de reafirmar essa preferência. Depois de uma manifestação pública, o custo social de mudar de ideia vira um novo fator. Não queremos ser vistos como voláteis, inseguros ou "vira-casacas". O comprometimento com tal escolha vira um comprometimento com nossa própria identidade. Daí fica cada vez mais difícil mudar de opinião, na presença de fatos contundentes ou mesmo de um plano de governo mais eloquente de um outro partido. Deixamos de escolher candidatos para defender posicionamentos. E essa condição defensiva é a pior maneira de votar em uma democracia.

4 Seu voto alimenta trolls

Acredite. Eles existem e muitos nem são remunerados para exercer a "profissão". O troll quer atenção e vai provocar quem quer que seja em troca de um minuto ou dez do seu tempo. Você vai estar cuidando da sua vida e, de repente, uma notificação vai anunciar um novo comentário da sua postagem. Um amigo do amigo do amigo te chamando dos nomes mais cabeludos em função da sua preferência pelo candidato X. Você pára o que está fazendo para argumentar, mostrar que é uma pessoa razoável e tals. Oito textões depois, você está com sangue nos olhos, bufando e procurando o botão de block. Sua visão "racional" do pleito eleitoral foi para as cucuias. Agora, você está muito investido para mudar de opinião. Não vai dar esse gostinho para aquele troll babaca, vai?

5 – Declarar o voto é arriscado, no cenário que se avizinha.

Longe de mim bancar o apocalíptico. Mas, sabe-se lá o dia de amanhã. O vice de um dos candidatos já disse, por exemplo, que seria a favor de um golpe militar em caso de "anarquia". A definição de anarquia na política é, claro, "aquilo que me desagrada". Numa eventual intervenção militar, a primeira coisa que o "governo provisório" faz é perseguir a oposição. Antigamente, ter um amigo que uma vez participou de uma reunião na casa de um comunista era motivo suficiente para visitar o pau-de-arara do Dops. Na Internet, sua opinião tá lá para sempre. Seus dados também. É arriscado, amigo. Guarde seu voto para o momento em que ele realmente conta: na urna. O resto é misancene.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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