29/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Só muda a embalagem

Publicado em 08/08/2018 12:00 - Rodrigo Amém

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No último domingo (13), o programa Last Week Tonight with John Oliver (HBO) apresentou uma interessante matéria sobre um tema que ainda não tem nome no Brasil. Não tem nome, mas tem pegadas fortes na política brasileira: astroturfing.

Astroturfing é meio difícil de explicar, já que ainda não tem tradução. Mas significa esconder os reais patrocinadores de uma ação política, religiosa ou publicitária. Uma espécie de máscara para dar um jeitão espontâneo a um movimento e manter ocultos os reais interessados em propagar tal mensagem. Porque, apesar de muita gente achar que não, faz toda a diferença saber quem é o real emissário desta ou daquela propaganda.

Um sujeito dono de uma empresa poluidora, por exemplo, cria um movimento de fachada para combater qualquer tentativa de regular a emissão de poluentes. E esse movimento terá um nome meigo, tipo: Salvem nossos Empregos, ou algo assim. A ideia é que o seu João da padaria criou uma ONG para impedir que o governo imponha novas regras contra o despejo de poluição nos rios, porque essas regras inviabilizam o seu negócio. E quem pode ser contra o seu João da padaria, não é?

No Brasil, o astroturfing já chegou com força na Internet, onde seus praticantes usam software para disfarçar as suas identidades. Assim, uma única pessoa pode operar vários perfis que dão a impressão de que um monte de gente apoia suas ideias. Ah, antes que eu me esqueça, aquele abraço pro pessoal do MBL.

Mas voltando: Não é só na rede que a gente encontra esse ativismo de fachada. Acontece que o brasileiro adora mesmo esse discurso dos modestos "homens de bem" que decidem fazer política com as próprias mãos.

E aí está o Partido Novo.  

A narrativa do Partido Novo é a seguinte: o João da Padaria e o Tavares, mecânico de Araraquara, se encontraram num posto de gasolina e decidiram que a corrupção estava demais. E tinha muito imposto no bromato, também. Decidiram formar um partido… novo. Voltado para o pequeno empreendedor, essa máquina que leva o país nas costas e não ganha nada, só porrada.

Aí nasceu o Partido Novo, já com logomarca, comunicação visual definida, o escambau. Coisa fina, coisa cara.  Como o RP deles escreve, "fundado por pessoas sem carreira política". Claro, seu Carlos das Couves só planta couve, nunca foi deputado.

Também é o caso do João Amoedo, atual candidato à presidência do partido, que nunca foi eleito a nada mas, como banqueiro e sócio da BBA sempre teve um relacionamento muito próximo com Armínio Fraga, Gustavo Franco e boa parte da equipe econômica do governo FHC. Franco, inclusive, migrou para o Novo.

Quem também não sabia nadinha desse troço sujo de política e resolveu dar as caras para mudar tudo é o fundador Ricardo Coelho Taboaço, sócio diretor do Grupo Icatu e vice-presidente do Citibank. Você sabe, um humilde empresário.

Até uns meses atrás, o Partido Novo pensava em presidenciáveis como Luciano Huck, o amigo do Aécio, ou Flávio Rocha, ex-presidente da Riachuelo. Mas Rocha tem alguma experiência com política. Foi Deputado Federal pelo PFL e passou os anos 90 no time de defesa do Fernando Collor, filiado ao Partido de Reconstrução Nacional – PRN. Já se vê que Flávio Rocha tem tradição em ser "novo". E hoje, é eleitor declarado do Bolsonaro.

Mas fecharam mesmo com o Amoedo, que no momento ainda luta para decolar na corrida eleitoral. Na sua plataforma, só coisas "novas": privatização, "reformas neoliberais" (desregulamentação de atividades que onerosas para o mercado financeiro, em geral. Vide reforma trabalhista). Você sabe, "um jeito novo de fazer política".

É importante deixar claro que não há nada de errado com ricaços participarem no jogo democrático. Tudo bem, pelo menos pra mim, se eles viessem com um discurso honesto:

"Olá! Somos um partido formado por banqueiros e empresários milionários. Queremos desmontar a máquina pública para criar novas oportunidades de negócio. Também queremos diminuir a interferência de agências reguladoras nas nossas empresas. Com o seu voto, vamos superar os já históricos recordes de lucratividade dos nossos bancos. Contamos com seu apoio, seu João da padaria".

Nada disso é ilegal e eu garanto que uma parcela da classe média toparia feliz, balançando seus chaveiros Louis Vuitton. O que me incomoda é a falta de transparência. É a "embalagem moderna e popular", que encobre a falta de coragem de assumir suas verdadeiras demandas. É a falta de ética de quem diz que chegou para restaurar a ética. Tipo isso que todo mundo identifica como um problema exclusivo do PT.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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