26/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

A culpa é do Lula

Publicado em 31/05/2018 12:00 - Rodrigo Amém

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Semana passada, um locaute quase jogou o Brasil num universo Mad Max. A mágica ausência de verduras nos supermercados e combustível nos postos de gasolina fez o brasileiro pirar o cabeção. O que dizer da resiliência de um povo que não tolera 4 dias sem pimentão antes de implorar por intervenção militar? Muito se fala da culpa de Temer. Mas Temer é tão culpado quanto o abutre que fura o olho do defunto durante o velório. Temer não orquestrou o caos onde sua reputação afunda. Ele se refestela nela, claro. Mas não é o autor da bagunça. Podemos nos debruçar na teoria da "culpa sistêmica", implicando um histórico de injustiças e decisões desastrosas que trouxe o país aonde estamos hoje. Mas isso não é sexy e não gera clicks. Então, se temos que culpar alguém, a resposta é simples.

A culpa é do Lula.

Lula foi o primeiro presidente de apelo legitimamente popular. O primeiro a dobrar as décadas de eleições de currais eleitorais, coronelismo, militares sádicos e oligarcas. Levou muito tempo e exigiu muitas concessões políticas. Lula só venceu depois de abraçar o PMDB, numa jogada digna de "O Retrato de Dorian Gray". Seu governo foi um marcado por um centro esquerda tímido, loteado por negociatas em nome da governabilidade. O plano de poder de Lula consistia, basicamente, em ser uma espécie de "corruptor do bem", trocando cargos e verbas por apoio político. Funcionou na sua reeleição e na eleição de sua sucessora. Mas, no segundo em que Dilma resolveu fazer jogo duro, o "centrão" mostrou suas garras. O resto é história.

E a culpa é do Lula.

Porque, de todas as concessões que Lula esteve disposto a fazer pelo seu projeto de poder, apenas uma condição era dogmática: girar em torno de Lula. Ele é o único e insubstituível líder. Em 30 anos de história, o Partido dos Trabalhadores não é capaz de produzir alternativas de liderança. As poucas vozes que alcançaram alguma notoriedade foram defenestradas e tiveram que fundar seus próprios partidos, pulverizando o voto da esquerda. Lula, senão pessoalmente, através de suas figuras de confiança, asfixiou não somente as novas caras, novos candidatos dentro do PT. Ele explodiu a esquerda em um milhão de nanicos radicais, sem chances de competir com as raposas das urnas. Preferiu  dar um banho de loja na Dilma e enfiá-la goela abaixo no partido do que permitir um sucessor fora do seu controle. Na cabeça de Lula, não tem PT. Tem Lula. Mais ou menos como John Lennon dizendo que não acreditava nos Beatles, só em si mesmo. A diferença é que Lula não assume. Mas seu projeto político para o Brasil é ele mesmo. E essa condição está enraizada na história do PT. E, agora, do Brasil.

A culpa é do Lula.

Lula se fez tão central no papel de oposição que era uma questão de tempo até que fosse preso. Reviraram décadas de vida pública e encontraram um triplex duvidoso, uma foto de um sítio, um pedalinho de cisne. Fosse uma caixa de Velho Barreiro sem nota, teria sido o suficiente. A sua relutância em partilhar seu capital político, sua exigência em ser o caminho, a verdade e a vida para o povo brasileiro, tiveram um efeito: criar um cenário eleitoral em que a esquerda não existe.

Preso, com chances reais de candidatura à mingua, Lula insiste. Não autoriza acordos, não apoia ninguém. A animação em torno de Ciro Gomes depois de sua entrevista no Roda Viva eriçou os brios de Luiz Inácio. "Ciro Gomes não é líder", protestou. O problema é que, para ele, ninguém é. Só Lula. E Lula prefere ver Alexandre Frota presidente do que apoiar um líder de esquerda que não esteja sob suas asas. Quando der ruim, sabe de quem vai ser a culpa?

A culpa é do Lula.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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