19/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Menos Ohana, mais Mahalo

Publicado em 05/01/2018 12:00 - Rodrigo Amém

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Olha só o tiro no pé: festa de final de ano em multinacional. A sucursal brasileira da empresa "tech" decide emplacar uma festa à fantasia. Há menos de dois meses do carnaval, é claro que alguém foi com um enorme pênis falso balançando sobre a calça, no melhor estilo "negão do whatssap". Esperavam o quê? Aqui é Brasil, pô!

Acha que o cara foi barrado na porta? Errou. Ele entrou, fez o maior sucesso, ganhou quarto lugar no concurso e tirou foto abraçado com a diretoria.

Mas aí as fotos chegaram na sede gringa. Enquanto no Brasil todos morreram de rir com a piroca falsa, os gringos viram um funcionário branco fantasiado de esteriótipo de negro. Um incrível exemplar de "black face" no limiar de 2017. Resultado? Fantasiado demitido. Diretor de RH se recusa a cumprir a ordem e afirma que "no Brasil pode"? Demitido. Presidente da sucursal faz o mesmo? Rua.

Pra começo de conversa: festa à fantasia é uma péssima ideia para um evento corporativo. Acreditem, amigos da área de RH. A persona profissional é a única máscara que devemos exigir dos nossos funcionários.

Ok, eu entendo. Você está preocupada com a retenção dos "Millennials". Quer que o ambiente de trabalho seja descontraído. Quer que a palavra "inovação" surja em algum lugar nos valores. Eu sei.

Festa à fantasia é uma péssima ideia para um evento corporativo. Acreditem, amigos da área de RH. A persona profissional é a única máscara que devemos exigir dos nossos funcionários.

Mas, numa festa à fantasia, a empresa se coloca numa ingrata situação de arbitragem. Afinal, ainda se trata de um evento corporativo. O que acontece se alguém aparece fantasiado de Hitler? "Essa é fácil: tá na rua!", dirão alguns. E se um cara vier de "KKK"? "Bem… aí tem que ver. Se ninguém reclamar…"

Esse é o problema: se a empresa abdicar de sua responsabilidade, pode acabar condenada nos tribunais da Internet. E nenhum diretor de RP quer lidar com isso.

No caso da Salesforce, empresa que atende a outras empresas, esse tipo de atenção negativa pode ter consequências graves. Vai que um dos clientes decide rescindir contrato para não "atrelar a imagem"? Lá fora, gente graúda já perdeu o emprego por bem menos. "Ah, no Brasil é mais tranquilo", dirão alguns. Para o bem e para o mal, o Brasil não é mais o Upsidedown do mundo.

Então, é culpa do ex-engraçadão da firma que a festa tenha terminado em escândalo? Não. A fantasia foi sem-noção? Sem dúvida. Fantasia de estereótipo racial é bem 1920, né? Mas ele não errou sozinho.

É culpa da Salesforce, e do seu discurso de cultura corporativa, criando um ambiente de liberalidade e descontração mais falso e exagerado que o pênis da fantasia. Para se ter uma ideia, sua equipe é chamada de Ohana (família, em dialeto havaiano). Você sabe, o tipo de família que expulsa quem se expressa de forma inadequada.

É culpa do RH que não orientou os funcionários sobre o traje aceitável. É culpa da organização que não vetou a entrada do engraçadão e sua fantasia. É culpa da diretoria que premiou e tirou fotos ao lado do pirocão falso.

Todo consultor de RH sugere que a demissão seja um momento de reflexão e reavaliação de valores internos. No lugar de "empresa inovadora", "empresa transparente". Ao invés de se referir à equipe como "Ohana", sugiro adotar o termo "Mahalo" (respeito, em havaiano).

Vai ficar mais difícil alguém se confundir na escolha do figurino na próxima festa.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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