16/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

A maldição do lobo solitário

Publicado em 06/10/2017 12:00 - Rodrigo Amém

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Stephen Paddock cresceu, estudou, virou contador. Aposentou-se como um homem rico, fruto de seu trabalho e do investimento em imóveis. Casou-se, teve filhos, netos, separou-se. Mudou para uma confortável casa nos arredores de Las Vegas. Passava os dias jogando pôquer nos cassinos de Nevada. Tinha uma namorada, mas morava só. Para todos os parâmetros da classe média, Paddock venceu na vida.

Mas Paddock não será lembrado como contador, como pai, avô ou jogador de pôquer. Stephen alugou um quarto de hotel próximo à arena onde um show de música estava sendo realizado em Las Vegas. Da janela, ele disparou tiros de fuzil na multidão por cerca de 10 minutos. Matou 58 pessoas e feriu mais de 500. Uma das piores chacinas da história dos Estados Unidos, um país que precisou redefinir o termo "tiroteio em massa", restringindo-o para casos com mais de meia dúzia de vítimas. Sob a antiga definição, o país do Tio Sam registraria de 3 a 4 ocorrências. Por semana.

Mas não é só o crime que é redefinido para aplacar o desconforto de uma barbárie. A identidade do assassino também se transforma para acomodar nosso horror. Os feridos ainda não haviam sido retirados das ambulâncias e já nos perguntávamos: seria um ataque terrorista?

O Estado Islâmico clamou autoria, mas o FBI não acreditou. É verdade que o EI é, hoje em dia, a Nana Gouveia do terrorismo, tentando capitalizar audiência sobre o atentado alheio.  Não foi a falta de credibilidade do grupo que levantou dúvidas. O problema é que Paddock era  americano, branco, velho, rico. Não faz sentido, na narrativa do FBI, que o terror seja causado por alguém que não "parece um terrorista".

Paddock parecia com um cidadão de bem, mas não era um de nós. O que quer que fosse, ele não era parte do nosso grupo. Logo, cunhou-se essa estranha expressão, saída de um filme de bang-bang: Paddock era um lobo solitário.

Não é o sangue, nem a dor das vítimas, nem a quantidade de corpos. A forma de terrorismo mais eficiente no mundo é a falta de sentido.

Os chamados lobos solitários são pessoas avessas ao convívio social. Gente que não se engaja nos valores da comunidade. Esquisitões que ninguém entende. É, no fundo, um eufemismo para "sei lá qual é a desse cara". Se o nome soa romântico, os lobos solitários são a pior forma de terrorista, aos olhos do cidadão de bem.

Quantos tipos de terroristas existem, a senhora me pergunta? Eu respondo: três.

O primeiro é a clássica definição de "terrorista": uma ou mais pessoas engajadas em atos de violência e intimidação com motivações políticas ou ideológicas contrárias à sua, minha senhora. Como chamaria um indivíduo que assalta bancos e sequestra oficiais do governo para financiar a luta contra o capitalismo? Terrorista, não é minha senhora? Aquele que usa o terror para intimidá-la, pois não?

A segunda categoria de terrorista é o justiceiro: uma ou mais pessoas engajadas em atos de violência e intimidação com motivações políticas ou ideológicas com as quais a senhora concorda. Como chamaria um servidor que planejou explodir bombas em prédios públicos para coagir o governo a um aumento de salário? No Brasil, tem quem chame um indivíduo como esse de presidenciável. Não é, minha senhora?

A terceira categoria é a do lobo solitário: uma ou mais pessoas (E sei que não faz sentido chamar de lobo solitário quem age em grupo. Mas eu não faço as regras.) engajadas em atos de violência e intimidação por motivações que parecem não existir. Como a senhora chamaria um homem que coloca fogo numa creche cheia de crianças e em si mesmo? Louco? Possuído pelo demônio? Psicopata? É possível usar essa revolta que nos atormenta diante da barbárie para alimentar nosso ódio sem que haja propósito por trás da loucura?

Podemos ojerizar os bárbaros que nos ameaçam e tolerar os excessos dos selvagens que nos protegem. Mas como lidar com lobo solitário, o terrorista sem causa? Não é o sangue, nem a dor das vítimas, nem a quantidade de corpos. A forma de terrorismo mais eficiente no mundo é a falta de sentido.  

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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