28/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Tá no seu direito

Publicado em 15/09/2017 12:00 - Rodrigo Amém

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O Queer Museum, exposição de artes plásticas em Porto Alegre, causou polêmica e desconforto. De repente, gente que nunca pisou num museu se sentiu compelida a discutir arte. Mas até isso é positivo. Se é preciso um quadro representando o que o cidadão de bem pensa de menino que brinca com boneca para denunciar a sexualização de crianças, que seja.

Mas veja: se o Paulo Gustavo leva "Minha Mãe é uma Peça 3" para todas as 24 salas do Cinemark de Pirapora, pouco importa quem assina a carta de crédito da Lei Rouanet. Sua arte é "levar alegria pro povo" e dinheiro para conta bancária. Ninguém paga suas contas (em parte, o contribuinte paga já que isenção fiscal é dinheiro público, bla-bla-bla). Agora, para quem se diz artista consciente, usar a arte, a representação da uma minoria sofrida para lustrar o pau de galinheiro que é a reputação institucional do Santander e do governo Temer é, na melhor das hipóteses, ingênuo. Tá no seu direito, mas não quer dizer que tenha razão.

O Santander, instituição financeira atolada em acusações na operação Zelotes no Brasil e na justiça espanhola, usa exposições focadas em diversidade como uma estratégia de marketing e RP.  Quer que o público-alvo (classe A/B, 18 a 35 anos, casa própria) perceba a empresa como "engajada", "moderna" e "inovadora" (náusea). Mas, ao primeiro sinal de polêmica, manda tirar tudo das paredes.

É perfeitamente natural seu choque diante da tal arte ‘subversiva’. Ela surge para questionar os valores e os preconceitos que estão na raiz da nossa sociedade. A sociedade que você quer conservar, amigo conservador. Mostrar o que é feio no seu estilo de vida é desconfortável, melhor não ver. Se tiver que ver e ainda por cima pensar, Deusulivre.

A galeria é privada, o banco é privado. Acredito que o contrato da exposição permitisse esse tipo de reação histérica por parte da instituição, desabonando o trabalho de uma série de artistas que se dispuseram a participar do projeto. O Santander tá no seu direito. Mas não quer dizer que tenha razão.

Ao saber da exposição, o MBL gritou aleluia. Era a polêmica moralista que o movimento (ahahahaha) precisava. Até aqui na nossa terrinha, deputados que nunca entraram num teatro a não ser para fazer discurso, sentiram-se motivados a fazer cosplay de críticos e censores. Protestar contra artista é um prato cheio para os movimentos conservadores. Dá a impressão (e publicidade) de ativismo sem os incômodos que verdadeira atuação política requer. É inconsequente, literalmente. Apontam o dedo para um quadro da parede, posam para foto. O churrasco é por conta da verba de gabinete. O MBL está no seu direito. Mas não quer dizer que tenha razão.

Você, cidadão de bem, do alto das suas tradições, não gostou do que viu na exposição (pela internet, claro). É perfeitamente natural seu choque diante da tal arte "subversiva". Ela surge para questionar os valores e os preconceitos que estão na raiz da nossa sociedade. A sociedade que você quer conservar, amigo conservador. Mostrar o que é feio no seu estilo de vida é desconfortável, melhor não ver. Se tiver que ver e ainda por cima pensar, Deusulivre. Afasta de mim esse cálice, pai-juiz. Muitas autoridades fazem carreira terceirizando as culpas do cidadão de bem. "O preto é pobre porque é vagabundo, a mulher é submissa porque é mais fraca, o pai de família é adúltero por causa do encosto do capeta, mas o pastor já vai tirar". Aí, se a arte denuncia esse sistema que te protege, "é desrespeito". Aí você, que defendeu a liberdade de expressão de chamar a Dilma de vaca, confunde (de novo) discurso com agressão e protesta pelo fim da exposição. Tá no seu direito. Mas não quer dizer que tenha razão.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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