20/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

O Homúnculo Brasiliensis

Publicado em 15/07/2020 12:00 - Rodrigo Amém

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O homúnculo brasiliensis tem nome longo e faz questão de usá-lo como uma forma de carteirada ideológica. É de família tradicional, abastada, conectada. Virou autoridade conduzido por tapinhas nas costas de familiares e enteados. Frequentou as festas certas, foi apresentado às pessoas certas, estudou nas escolas certas. Teve a carreira e a vida discretamente esboçadas pelos maquinistas do sistema, de forma a dar espaço para arroubos de arrogância meritocrática.

Pelos mesmos motivos, o homúnculo brasiliensis caminha de bermuda pela vizinhança beira-mar em que reside, mas não deixa de carregar a carteira funcional. Nunca se sabe quando uma oportunidade de proclamar sua auto-importância se apresentará. Basta um assalariado distraeido cruzar-lhe o caminho para que o mesmo seja avisado de "com quem está falando". 

O homúnculo brasiliensis é um ser seletivo. Segue as leis que julga conveninentes, desconsidera o resto. Utiliza a mesma princípio moral para a constituição e para os textos sagrados da religião cujo grupo frequenta. Daí, ofende-se quando a observância às leis lhe é cobrada. Tal combrança insinua tratar-se de alguém comum, e nada o tira do sério mais do que ser tratado como um reles cidadão. Cidadão, não. Homúnculo Brasiliensis, melhor que você. 

E por falar em grupo, é inegável que o homúnculo brasiliensis é um ser gregário, pois tem consciência de que sua pequenês extrai força dos números. Optam por viver em bolhas sociais, cercados de vigias armados. Homúnculos se posicionam dentro das instituições em cargos de relativo poder e engendram uma rede de corporativismo e impunidade. Assim, há sempre um homúnculo pronto para livrar a barra do outro, passar pano, criar uma brecha legal. No judiciário, os homúnculos procuradores engavetam, os homúnculos juízes absolvem, os humúnculos se locupletam. Mas não há ramo do poder que não esteja repleto destas pequenas criaturas, promovendo a miíase das instituições e da democracia. 

Volta e meia alguém levanta uma pedra e, debaixo dela, testemunhamos um homúnculo brasiliensis em ação. Dedo em riste, peito estufado, carteira funcional na mão, exibindo seu canto de acasalamento: "Você sabe com quem está falando? Você sabe com quem está falando?"

O homúnculo não chega a ser um animal noturno, mas gosta de se alimentar às escuras. Exposto, foge. Entoca-se em suítes de apartamentos de luxo e espera o barulho da indignação passar. Fica ruminando o ressentimento por estes reles mortais que ousam tratá-lo como igual, persegui-lo, questioná-lo. Logo ele, que prestou concurso e tudo. Mas é provisório. Logo, a gentalha encontrará outro homúnculo para achincalhar. As notas de repúdio apodrecerão nas gavetas de colegas homúnculos. Somente nos casos mais graves, pode ser que sofra algum tipo de punição. Geralmente, nada maior do que a aposentadoria compulsória com salário integral. E o homúnculo brasiliensis achará a punição justa. 

Pelo menos essa injustiça será corrigida. Ele repousará no conforto, sustentado pelos impostos dos cidadãos petulantes. 

Afinal, não está sobre a terra para trabalhar pelo populacho, muito pelo contrário.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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