28/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

A Direita Recauchutada

Publicado em 18/09/2019 12:00 - Rodrigo Amém

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O escritor Charles Dickens tornou-se conhecido por uma história conhecida como Conto de Natal. O amigo leitor deve conhecer: é a história de um empresário rico e cruel que maltrata os empregados. Na noite de véspera natalina, ele recebe a visita de três fantasmas: o dos natais passados, do presente e o dos natais futuros. Através destas aparições, o malvadão contempla as consequências da própria ganância. Acorda na manhã de natal arrependido e distribuindo dinheiro e presentes. Como se fosse um esquerdista. 

Os três fantasmas natalinos devem estar fazendo serão no Brasil. A quantidade de membros da direita desembarcando do governo é considerável. Ainda mais levando em conta que essa mea culpa tem sido pública e notória. De Alexandre Frota pedindo desculpas aos desafetos no twitter ao Lobão denunciando as fazendas de bots bolsominions em Brasília, a direita tem feito o possível para se distanciar do bolsonarismo. 

E essa busca por uma identidade ideológica distanciada do extremismo neopentecostal tem sido bastante divertida. Pelo menos pra mim, que adoro duplos twists carpados filosóficos. Por isso, tenho acompanhado com fascínio antrpológico o moonwalking dos pensadores conservadores. 

Talvez o mais bem-sucedido exemplo seja Reinaldo Azevedo. 

Lembra o Reinaldo Azevedo da Veja? Que a Miriam Leitão chamou de "pitbull da direita"? Reinaldo não tem nada de pitbull. É um fofo. Na sua coluna na Veja, Reinaldo era um dedicado crítico do governo petista. Tanto que se orgulha de ter cunhado o termo "petralha". Era um tempo de vacas gordas para o jornalista, já que era uma das poucas referências respeitadas pelo conservadorismo. Mas aí o jogo virou e a direita chegou ao poder com força e sangue nos olhos. Como se manter relevante competindo com ícones do raciocínio conservador como Felipe Pondé, Nando Moura e Marco Antônio Villa? Reinaldo optou por se recolocar na oposição.

Mas ele não é de direita, gente? Calma, companheiro. Já chego lá.

Diariamente, ele apresenta o "É da Coisa", um programa de uma hora e meia na rádio Band News, comentando as notícias da política por, aproximadamente, vinte minutos. O resto de tempo no ar ele reserva a demoradas sessões de auto-elogio e citações de culturais que oscilam entre o óbvio e o desinteressante. Mencionei que ele "canta" no programa? Pois é. Tem isso, também. 

Reinaldo se define como um conservador-liberal. Geralmente, esse ornitorrinco importado da gringolândia significa "conservador nos costumes, liberal na economia". Ou seja, é uma maneira discreta de dizer "Não quero pagar imposto, então pára de oferecer serviço público". A sacada do Azevedo foi ressignificar a palavra "conservador" para o público de direita que já não se identifica com o que saiu do ovo da serpente. 

Para o jornalista, conservador não é ser como Crivella, Bolsonaro e Witzel. Não tem nada a ver com censura, com repressão às minorias, com racismo e Estado policial. Não, senhor. Essas pessoas não são os verdadeiros conservadores. 

 

O verdadeiro conservador é Reinaldo Azevedo. E o que ele quer "conservar" é a Constituição. Ele é um "conservador" das instituições democráticas. Observe o brilhantismo do raciocínio: são as leis e normas sociais que garantem o funcionamento das instituições e da sociedade como um todo, não é? Então. É isso que a gente quer conservar. Somos conservadores porque queremos liberdade e progresso. Mais ou menos como se dedicar à caça de espécies ameaçadas de extinção por gostar de "atividades ao ar livre". 

Nesta admirável mundo novo do Reinaldo, ser conservador é respeitar as leis, o processo jurídico, as normas que regem a sociedade do jeitinho que ela é. E quem quiser mudança, que a busque pelos meios legais. Um posicionamento que o coloca em rota de colisão com a República de Curitiba, que acredita que l'état c'est Moro.

É dessa tensão quase obscena entre Reinaldo e Dalagnol que nascem os melhores momentos do "É da Coisa". Reinaldo lê a última pataquada do promotor, passa meia hora relembrando o quanto ele é um jornalista idôneo e genial que profetizou que isso aconteceria antes de todo mundo. Depois, dá uma aula de juridiquês para explicar porque essa ou aquela decisão do Supremo está errada. Em seguida, faz uma reverente menção à sua capacidade de citar artigos do Código Processual de cabeça. Aí, lembra-se de uma canção do Caetano que vagamente tem relação com uma palavra que acabou de dizer. Aí toca a referida música, cantando por cima, para que todos tenham certeza de que ele sabe a letra toda. 

Parece tosco, mas é divertido. E está funcionando. O centrão de direita está migrando aos montes para a audiência de Reinaldo. Todos os dias, uma nova leva de direitistas arrependidos e recauchutados se aninha no colo do Tio Rei para ouvi-lo recontar suas glórias, xingar a Lava-jato e cantar Maria Betânia. Num tempo de radicalismos violentos, Novos Conservadores cantando Novos Baianos talvez seja o que temos para hoje.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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