29/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Dia do Orgulho Macho

Publicado em 08/08/2019 12:00 - Rodrigo Amém

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No mês passado, a prefeitura de Boston (EUA) aprovou a realização de sua primeira parada do orgulho hétero a ser realizada no 31 de agosto. A organização diz que o objetivo é "celebrar a heterossexualidade, que vem sendo oprimida na América". 

Fiz uma pesquisa rápida sobre casos de héteros agredidos em função da orientação sexual. Há diversos casos. Em geral, causados por maridos, namorados, pais e padrastos. Mais de 70 mil vítimas no primeiro semestre de 2019. Somente em Minas Gerais. Sim, héteros são perseguidas e oprimidas. Especialmente as que se relacionam com homens. 

O que não significa que não haja casos de homens vitimados pelo sistema opressor. O machismo tóxico faz muitas vítimas entre os brothers. Nos EUA, por exemplo, o índice de suicídIo entre homens é três vezes e meia maior. Num país onde há 123 suicídios por dia, sete em cada dez são do sexo masculino. Quando a sociedade encoraja o hétero a reprimir seus sentimentos, o remédio mais procurado para depressão é uma bala na cabeça. Associada à xenofobia, a epidemia de assassinatos em massa em locais públicos é outra saída trágica para essa categoria oprimida: o macho hétero.

Dizem que não faz sentido uma parada do orgulho hétero, uma vez que a o orgulho gay é uma forma de expressão positiva de uma identidade continuamente massacrada e perseguida em uma sociedade intolerante. Os héteros também sofrem as consequências da intolerância. É verdade que a tal intolerância emana dos próprios héteros, mas o resultado é o mesmo: opressão.

Uma recente pesquisa indica que homens não reciclam lixo por associarem a preocupação com o meio ambiente como uma causa "gay". Exatamente o que você leu. Levar sacola ao supermercado para poupar sacos plásticos e separar o lixo são atividades afeminadas para o machão contemporâneo. Claro, não faz qualquer sentido. Mas não é racional. A opressão do machismo tóxico vitima gays, mulheres, homens, árvores, tartarugas marinhas, a camada de ozônio. Não há limites pro potencial destrutivo do orgulho macho. E por isso mesmo ele precisa ser reconhecido. 

Assim com cada câncer assassino tem um mês e uma cor, assim como o dia internacional da mulher marca a trágica morte de 125 mulheres trabalhadoras em um incêndio de motivações criminosas, o orgulho macho precisa de uma data oficial de contemplação. 

Não se trata de um orgulho de identidade e resistência diante da intolerância, como o Orgulho Gay. Mas do orgulho como Pecado Capital, que é irracional e irredutível. Eu sugiro uma data histórica: 25 de abril – o Dia Internacional do Orgulho Macho. 

Neste dia, em 1986, diversos machões héteros, movidos por orgulho e arrogância, tomaram um conjunto de decisões equivocadas motivadas apenas pela preservação de seus status e prestígios. Como resultado, a usina nuclear de Chernobil explodiu na cidade de Pripyat. Os engenheiros e burocratas da União Soviética condenaram à morte milhares de pessoas inocentes e criaram um quadrado de 4 km de diâmetro que só deixará de ser tóxico em 20 mil anos. Tudo porque os envolvidos consideravam que agir com prudência e transparência seriam sinais de fraqueza para o regime soviético. Da mesma forma que o governo da Venezuela demite a Ministra da Saúde que divulga informações negativas, o governo Soviético fez de tudo para esconder o escopo de Chernobyl. Assim como o governo Brasileiro demitiu o técnico que revelou o aumento no desmatamento da Amazônia, o Kremlin prendeu e perseguiu cientistas que revelaram as consequências do desastre para o mundo. 

A ótima mini-série da HBO sobre o assunto faz um excelente trabalho de contrapor machos-alfa e cientistas durante a investigação do incidente e na busca por maneiras para mitigar as consequências. Os primeiros se recusam a admitir erros e reconhecer os fatos. Os segundos, frustrados, tentam solucionar uma catástrofe global administrada de forma infantil e arrogante. 

Uma das questões que os burocratas antagonistas levantam é um mistério de engenharia nuclear: "Como um reator nuclear pode explodir?" A resposta (sem spoilers) vai ficando clara à medida que a poeira radioativa se dissipa. Sabe qual é o principal ingrediente para explodir um reator nuclear? Machismo Tóxico.

Eis o poder do Orgulho Macho: é capaz de destruir o mundo, e não apenas os indivíduos que o macho despreza. E esse poder destrutivo merece um dia de reflexão e luto.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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