26/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

O Palestrinha de Esquerda

Publicado em 25/04/2019 12:00 - Rodrigo Amém

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Mesmo na fecunda língua portuguesa, existe um limite de maneiras para se dizer que o governo é composto por gente ignorante e preconceituosa, patrocinado por empresários inescrupulosos e apoiado por uma população manipulável e paranoica.

Então, vamos mudar o foco.

Vamos falar de uma figurinha fácil nas rodas da oposição: o palestrinha de esquerda. Como a arte e a cultura no país estão vivendo um período de próspera tranquilidade, o palestrinha de esquerda tem se esforçado para encontrar um alvo digno de sua fúria acadêmica. O filme Vingadores: Ultimato.

O problema parece ser o fato de haver muita sala de cinema exibindo o filme da Marvel. E com isso, a obra "De Pernas para o Ar 3", que estreou há duas semanas, teve o número de salas dedicadas a este grande sucesso nacional reduzido. Essa é a polêmica.

Tá, não foi só a suspensão deste poderoso universo cinemático – onde Ingrid Guimarães faz caretas e vende vibradores em diversos pontos turísticos do planeta – o problema. Outras obras também tiveram suas carreiras nas bilheterias encurtadas pelo blockbuster. Rola um ressentimento de que um filme pop gringo chegue às "salas sagradas" dos cinemas cult, cineclubes e afins. É uma "invasão cultural", diz o palestrinha.

Como resultado dessa invasão, a poderosa Disney (dona da Marvel), estaria sufocando a produção cinematográfica brasileira. É um Davi e Golias, onde os pobrezinhos dos filhotes de Glauber juntam moedas no sinal para conseguir realizar o sonho de fazer seu filmezinho. Aí chega o filme boboca gringo e acaba com o duro esforço de formação de plateia nos cinemas brazucas. Uma ladainha que não é nova.

Os palestrinhas de outrora diziam o mesmo do Rock, dos Beatles, dos Rolling Stones. Eles acreditavam num conceito enviezado conhecido como "nacional por subtração", ou seja, só devemos apreciar o que é "nosso". O estrangeiro é invasor, é dominação imperialista. Está aqui para acabar com nossa cultura. Fosse pelo palestrinha, nossas rádios só tocariam Jongo da Cerrinha e o Coral das Lavadeiras do Jequitinhonha.

De fato, o posicionamento do palestrinha não é tão distante assim de, por exemplo, nosso Chanceler Olavete Ernesto Araújo, que denuncia o "globalismo" e quer adotar políticas "nacionalistas", na toada do muro de Trump. A diferença é que o isolacionismo do palestrinha é cultural, não econômico. O palestrinha também quer reserva de mercado para a arte brazuca. Muda o produto, mas é a mesma agenda da bancada do boi, da soja, do trigo. Claro, o palestrinha nunca se declarou liberal na economia, muito pelo contrário. Mas o conservadorismo artístico é sua faceta oculta, uma vez que crê que o público não tem capacidade de escolha de seu próprio entretenimento, nem o empresário dono de salas de cinema pode atender a demanda (no caso específico dos Vingadores, altíssima) da população.

Mas devo dizer que torço para que o palestrinha recupere suas preciosas salas de cinema. Que "De Pernas para o Ar 4 – Vibrando em Bangladesh" tenha ampla oferta de exibições no Brasil. Minha demanda é pelo fim da exclusividade de lançamento de títulos no cinema. Eu queria muito ter podido assistir aos Vingadores no conforto do meu lar sem ser penalizado por isso. Mas carioca tende a achar que cinema é uma geral com ar-condicionado.

Na verdade, eu torço para que os serviços de streaming releguem às salas de exibição ao seu devido lugar: o passado nostálgico, como as rodas gigantes e os passeios de charrete. Aí ficaremos felizes e em paz. Eu, no conforto do meu lar, e o palestrinha, no seu cineclube de galeria.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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