28/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Reunio Unido: Season Finale

Publicado em 20/03/2019 12:00 - Rodrigo Amém

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Enquanto a galera de Curitiba distrai o Brasil com a prisão do Temer, eu não consigo desligar os olhos da minha novela favorita: Brexit. Os últimos capítulos estão de arrepiar.

O enredo é mais rocambolesco do que Kubanacan (mas com menos ator sem camisa), mas eu vou tentar resumir, para quem quiser acompanhar o season finale.

Era uma vez a Grã-Bretanha, ex-império mundial, hoje riquinho decadente membro da União Europeia. Além da rainha e sua prole, há uma meia dúzia de partidos políticos. Mas o que vale mesmo é a tensão entre os dois maiores Labour e Tories, esquerda e direita, respectivamente.

Depois do fim da guerra fria, os Tories estavam numa crise de identidade. Foram-se os comunistas, contra quem agora fariam campanha? Como sabemos, não se faz conservadorismo sem inimigos temíveis para motivar votos. O caminho americano da luta pelos "valores da família" e "moralismo neopentecostal" não colou muito na terra da rainha por vários motivos. Mas uma coisa que a Inglaterra tem de sobra é vizinho para culpar pelos seus próprios desmandos. Não deu outra. Os Tories focaram seu ódio expiatório na União Europeia, uma versão mais sanitarizada de "a culpa é dos imigrantes".

Vai abobrinha, vem abobrinha, conseguiram emplacar um plebiscito: o Reino Unido deve deixar a união europeia? Disseram pro povo que a falta de emprego, educação e saúde no interior da Inglaterra era culpa da Europa e adivinha? Eles acreditaram. Resultado: O Reino Unido tem que deixar a União Europeia. Tipo no fim do mês, agora. É o chamado Brexit.

Mas olha o perigo: A União Europeia e o Reino Unido são interligados de uma forma tão extensa e complexa que (muito mais complexa que o eleitor ignorantão em Jaboatão de Winchester é capaz de compreender) sair sem um acordo pode arrebentar a Inglaterra de vez.

Então, é preciso um acordo. A primeira-ministra Theresa May, Tory desde criancinha, elaborou um acordo que é a cara dela e de mais ninguém. Resultado: o parlamento britânico não aprovou a proposta. Não aprovou também um possível Brexit sem acordo. Resultado? Ninguém sabe o que vai acontecer com a ex maior potência do planeta. Se vai ter acordo, se não vai ter, se vão desistir do Brexit ou não.

No último capítulo da novela, May foi à UE implorar por mais prazo. Conseguiu até 30 de junho, com uma condição: o parlamento britânico tem que aprovar, na semana que vem, o acordo que já foi recusado duas vezes. Caso contrário, o bicho vai pegar.

Na verdade, o bicho já está pegando na Inglaterra profunda. Tem gente, na terra da Rainha, em pleno século XXI, vivendo como personagem de Charles Dickens. "Morte e vida, Miss Havisham". A pobreza é angustiante e faz alguns professores não apenas darem comida para as crianças no café e no almoço, mas que também comprem roupa e sapatos, além de arrecadar dinheiro para livros e material", denunciou a trabalhista Roberta Blackman-Woods conforme noticiou o JB.

Daqui dos trópicos, eu estou torcendo por um Brexit sem acordo. Por que? Porque será trágico. Para o Reino Unido, para a Europa. Para o mundo. Até para nós vai sobrar problema. A economia planetária vai afogar com uma Variant numa poça d'água. Mas será particularmente ruim para a Inglaterra, que vai ver miséria, violência e insatisfação política se multiplicar feito Gremlins.

O que sou, sádico? Não se trata de celebrar a dor alheia, mas de arrancar o bandaid do anti-globalismo de uma vez. Quem apoiou e vota no Brexit fez isso por posicionamento político. São os primeiros surfistas da onda que nos deu Trump, Duterte, Bolsonaro. Enquanto o resto do mundo tentar mitigar as consequências desse populismo movido a fake news, não há purgação. Não há remição. É preciso que o eleitor sofra as consequencias do seu nacionalismo para que entenda a gravidade deste posicionamento político neste momento da história da humanidade.

Reza a lenda que, em algumas culturas indígenas, a mãe não impede a criança de tentar tocar o fogo. Ela sabe que o fogo é lindo e sedutor. Não há nada que ela possa falar que convença o pequeno de superar o fascínio. Mas basta um dedo queimado para que a criança reveja suas prioridades ao redor da fogueira.

Eu torço, meus amigos, é para que um dos mais sanguinários impérios da humanidade, que construiu sua riqueza na versão beta da globalização 1.0, quando o mundo era um buffet colonial grátis, entenda o preço do anti-globalismo fakenews e da mercantilização da xenofobia. Por pior que as consequências dessa lição sejam para eles e para nós. Pelo menos voltaremos a evoluir, depois de limpos dos escombros.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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