24/04/2024 - Edição 540

True Colors

Sou gay e católico: pessoas LGBT conciliam fé e orientação sexual

Publicado em 19/04/2018 12:00 - Mattheus Goto - Igay

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Os dogmas da Igreja Católica sempre acabaram afastando a comunidade LGBT  da própria igreja e tornando essa relação complicada. Logo, é quase impossível imaginar alguém católico se assumindo LGBT. No entanto, essa realidade está mudando aos poucos.

A situação ainda não é, nem de longe, a melhor para qualquer membro da comunidade LGBT que é católico , mas para a estudante bissexual Camila, que pediu para ter sua identidade reservada, tudo tende a melhorar. Sua história é a narrativa mais conhecida quando se trata de fiéis da comunidade, ela deixou de frequentar a igreja, mas, deixa uma esperança para o catolicismo no futuro.

Em sua juventude, ela foi criada na religião e participava acentuadamente da Igreja. Foi batizada, fez catequese e primeira comunhão, o que também fez com que seus pais se aproximassem e se envolvessem ainda mais da Igreja.

Assim, a fé acabou influenciando completamente o período de descoberta de sua sexualidade, o que aconteceu na adolescência. “Eu lembro que tinha um menino gay católico que frequentava a igreja e que todo mundo falava ‘ele é muito querido, pena que vai para o inferno’. Então eu tinha medo de ir para o inferno, de ser condenada”, conta Camila.

Com o tempo, ela mudou de cidade para fazer faculdade e mora agora em uma pensão de freiras, já que seus pais acreditavam ser melhor para ela ainda ter um laço forte com a religião mesmo em outro lugar. No entanto, ela logo optou por deixar a fé por causa de sua orientação sexual.

Hoje, a estudante não tem religião, pois “não foi uma experiência legal com a Igreja Católica”. Ela acredita que foi tudo muito “imposto” para ela, que acabou ficando sem opção. Além disso, a religião em questão sempre pareceu muito "protocolar e burocrática" para ela. Sendo assim, a jovem se diz aberta para outras religiões, que a toquem de verdade.

Sobre o pensionato em que mora, Camila conta que as freiras que assumiram a direção da casa recentemente são mais novas e mais abertas a aceitar pessoas LGBT+. Ela diz conhecer outras meninas que moram lá, que são assumidamente lésbicas e namoram outras meninas, sem ter qualquer problema.

Anteriormente, as responsáveis eram freiras bem mais conservadoras, e, segundo boatos, duas meninas foram flagradas se beijando e foram expulsas da casa. Ela conclui que, principalmente para as freiras, e assim como também ocorre com os padres, depende de cada um aceitar ou não, “é mais pessoal do que algo imposto pela Igreja”.

Mas além disso, a estudante acredita que “com certeza” o cenário tende a melhorar em geral, ainda mais com o atual líder católico, papa Francisco. E não só a fé e as questões humanitárias podem influenciar. Camila argumenta que a Igreja vai precisar começar a aceitar mais LGBTs porque está perdendo fiéis e dinheiro também, por não realizarem casamentos LGBT+, por exemplo.

Dado um aval do papa para permitir o casamento, “vai depender mais da comunidade LGBT se ela aceita se inserir ou não”, explica. “Depois de sofrer preconceito, violência de várias formas e ainda ouvir que vai para o inferno, não é tão simples aceitar a religião católica. Não dá para apagar a história.”

Como é ser LGBT e da religião católica

Formado em Relações Públicas e com 22 anos, Murilo Stifter declara: “sou gay e católico”. Ele conta que, assim como os pais, sempre esteve em contato com o catolicismo, fez catequese, crisma e até já foi coroinha.

Quando ele começou a perceber sua sexualidade, não entendia e não tinha um posicionamento da Igreja sobre isso, até porque os pais não comentavam sobre orientação sexual em casa. A única coisa que ele sabia era que “é pecado”.

Quando então se assumiu para os pais, a situação ficou ainda mais difícil: Stifter declara que acordava com o seu pai lendo a Bíblia para ele no quarto. A família precisou buscar a ajuda e a opinião de padres para saber como prosseguir com suas vidas.

Assim, eles perceberam que “é função de Deus definir o que é pecado ou não” e “o nosso papel na terra é amar uns aos outros”. O jovem conta que o momento de virada de verdade foi quando todos decidiram ir ao psicólogo, e seu pai voltou aberto a aceitar logo na primeira consulta.

Mas para Stifter ainda existem tabus sobre ser da comunidade LGBT e acreditar na religião católica, pois “as pessoas ligam muito para a vida dos outros”. “Se cada um pensasse nos próprios pecados, seria muito mais tranquilo para nós. Cada um lida com a fé e precisa dela da própria forma. Todo mundo tem atitudes com que a religião não concorda. É preciso pensar na própria fé e não apontar o dedo.”

Apesar do julgamento, ele continuou indo em missa, confessando, conversando com Deus e vivendo a religião da própria forma. Atualmente, após esclarecer todos os seus receios com padres, a relação dele com a religião é tranquila, assim como é para sua família. Algumas pessoas ao seu redor ainda acham que é errado ser gay, mas isso não afeta mais a sua vida.

Stifter acredita que a Igreja Católica já é bem aberta para LGBTs, apesar de ainda não liberar o casamento. Ele diz que ela afasta os fiéis por causa de seu histórico, mas que estamos caminhando para que tudo seja melhor.

“Tudo tem sua razão e Deus sabe por que eu sou assim, Ele sabe de tudo. Para Ele, está tudo bem, como está para mim”, ele constata.

Para quem é LGBT e desistiu de ter uma religião, o católico diz: “escolha uma religião que faça você sentir bem, mesmo sendo difícil encontrar uma que seja 100% o que acredita, viva a religião para você e não para os outros”.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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