True Colors
Publicado em 16/09/2020 12:00 - Andréa Martinelli – Huffpost
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Entidade Aliança Nacional LGBTI+ irá processar a pastora evangélica Ana Paula Valadão por LGBTfobia. Neste fim de semana, um vídeo em que Valadão afirma que homossexualidade é pecado e que a aids é um ‘castigo de Deus’ viralizou nas redes sociais e gerou reação de defensores da causa.
Em nota de repúdio, a organização afirma que a religiosa fez declarações discriminatórias que atingem toda a comunidade LGBT, em especial, as pessoas que vivem com HIV/AIDS e que não admite que “a religiosidade seja utilizada como salvo-conduto para propagação do ódio e da desinformação”.
“O discurso de Ana Paula beira ao absurdo, extrapolando a liberdade religiosa e de expressão, tornando-se um discurso odioso, fanático e amplamente desproposital, com consequências potencialmente desastrosas”, diz o texto.
A ONG pede uma retratação de Valadão, e afirma que irá processá-la com base na decisão de 2019, do STF (Supremo Tribunal Federal). Desde junho de 2019, o Supremo decidiu que a LGBTfobia deve ser equiparada ao crime de racismo até que o Congresso Nacional crie uma legislação específica sobre o tema.
A pena é de até 3 anos e o crime é inafiançável e imprescritível, como o racismo. Até então, crimes motivados por orientação sexual ou identidade de gênero não tinham nenhuma tipificação penal específica no Brasil.
Porém, a fim de preservar a liberdade de crença, ministros entenderam que religiosos não poderão ser punidos por racismo ao manifestarem suas convicções doutrinárias sobre orientação sexual, desde que as manifestações não configurem discurso de ódio.
A entidade LGBT afirma que o caso de Valadão, ainda que seja de 2016, se encaixa na segunda opção. O vídeo que se tornou viral – e está disponível no YouTube – é de uma edição do evento chamado Congresso Diante do Trono que é realizado anualmente e transmitido pela Rede Super de Televisão.
A rede que se intitula “a maior emissora cristã do Brasil” tem sede em Belo Horizonte (MG) e pertence à Igreja Batista da Lagoinha, da qual Valadão é integrante. No vídeo abaixo, a declaração acontece a partir do minuto 56:35:
A nota da Aliança Nacional LGBTI+ também afirma que a fala em questão “se assemelha aos mesmos padrões adotados por Adolf Hitler para desumanizar setores da sociedade”, como Judeus, LGBTs, ciganos e outras identidades perseguidas à época.
A pastora não se manifestou sobre a questão até o momento. O HuffPost enviou um pedido de resposta à Igreja da Lagoinha, mas não obteve resposta.
A Câmara de Comércio e Turismo LGBT do Brasil, em comunicado, disse que “se solidariza com as pessoas ofendidas, apoia a nota da Aliança Nacional LGBTI e se junta nas colocações”.
“Estaremos juntos nesta e em outras demandas que ferem a democracia, as leis e a laicidade do Estado Democrático de Direito”, disse.
“Deus criou o homem e a mulher, e é assim que nós cremos”
Na gravação, a pastora afirmou em conversa com um missionário em seu programa que “hoje em dia é preciso explicar o que o termo companheiro” significa, se referindo que nem sempre o termo faz menção a casais gays.
“Hoje a gente tem que explicar o que é companheiro. Não gente, é sério. É engraçado, mas é sério”, disse a pastora. “Tem muitas pessoas, inclusive, novas convertidas que chegam para a igreja ou ligaram na Rede Super [emissora religiosa] agora e estão achando que isso é normal. Gente, isso não é normal. Deus criou o homem e a mulher e é assim que nós cremos. Qualquer outra opção sexual é uma escolha do livre arbítrio do ser humano. E qualquer escolha leva a consequências”, continuou.
Valadão continuou afirmando que a Bíblia chama qualquer escolha contrária à que Deus determinou como a ideal de pecado, e diz que isso tem uma consequência, que é a morte.
“Inclusive tudo o que é distorcido traz consequência naturalmente. Nem é Deus trazendo uma praga, um juízo. Taí a aids para mostrar que a união sexual entre dois homens traz uma enfermidade que leva à morte e contamina as mulheres.”
Para a pastora, o “sexo seguro que não transmite doença nenhuma” chama-se “aliança do casamento”. “Não é assim? Deus é perfeito em tudo o que ele faz.”
A declaração gerou reação de ativistas e entidades de direitos humanos nas redes sociais e, neste fim de semana, “Ana Paula Valadão” chegou a ficar entre os tópicos mais comentados.
Ana Paula Valadão atribui aos gays a disseminação da AIDS e diz que casais heterossexuais são "imunes", contrariando a ciência e o senso comum. Fé religiosa não é salvo conduto para ser homofóbica, sorofóbica e cometer crimes contra a saúde pública. Precisa ser responsabilizada! pic.twitter.com/tCFdKswoCX
— William De Lucca (@delucca) September 12, 2020
como é linda a ignorância e a maldade em seu estado bruto
Ana Paula Valadão recebe aplausos de milhares de crentes ao destilar sua homofobia em forma de “ensinamentos”, transmitido pela TV
diz com todas as letras q os gays são a CAUSA do HIV
escrota pic.twitter.com/Xd92i6WHQY
— hello its me (@guirocha82) September 12, 2020
“Sexo hétero não gera doença. Sexo gay é que causa AIDS” – disse a pastora Ana Paula Valadão, mostrando todo seu preconceito e ignorância.
O próprio Ministério da Saúde aponta que a Aids cresce mais entre heterossexuais do que entre homossexuais no Brasil.https://t.co/5DVnnBaX3c— David Miranda (@davidmirandario) September 12, 2020
A apresentadora Xuxa Meneguel foi uma das celebridades que se pronunciou sobre o assunto. Em seu Instagram, ela saiu em defesa da comunidade LGBT.
“Isso não pode ser uma briga ou uma decepção só pra quem é LGBT, não podemos e não devemos tolerar mais preconceito, discriminação e desamor em nome de Deus, quem concorda com essa senhora saiba que é CRIME, e guarde sua falta de amor ao próximo pra vc (sic)”, escreveu a apresentadora.
A postura de Valadão sobre a população LGBT é recorrente na congregação a qual pertence. A comissão da OAB-MG está investigando uma declaração de André Valadão, irmão de Ana Paula, feita no último dia 8 de setembro.
Ao responder uma dúvida nas redes sociais sobre a possível expulsão de um casal homossexual da igreja, o pastor afirmou que “na igreja, não dá” após dizer que “esta prática não condiz com a vida da igreja”
“Tem muitos lugares que gays podem viver sem qualquer forma de constrangimento. Mas na igreja é um lugar para quem quer viver princípios bíblicos. Não é sobre expulsar. É sobre entender o lugar de cada um”, disse.
Dados sobre HIV e doação de sangue por homens gays no País
Ainda em nota, a entidade LGBT cita dados epidemiológicos do Ministério da Saúde e da OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre contaminação por HIV e destaca que “a pandemia do HIV há décadas deixou de ser apenas uma preocupação da comunidade LGBTI+, sendo uma preocupação para qualquer cidadão que mantenha vida afetiva-sexual ativa.”
“É importante lembrar que na atualidade, as pessoas que vivem com HIV e que seguem o tratamento antirretroviral, garantido como direito pelo Estado brasileiro, tornam-se sorologicamente indetectáveis e, portanto, além de gozarem de uma boa qualidade de vida, não mais transmitem o HIV”, diz.
Segundo boletim do Ministério da Saúde, divulgado em dezembro de 2019, os casos de aids, a síndrome causada pelo vírus HIV, estão caindo, assim como as mortes pela doença. Dados da pasta mostram que a maior concentração dos casos no País foi observada nos indivíduos com idade entre 25 e 39 anos, em ambos os sexos. Os casos nessa faixa etária correspondem a 52,4% dos casos do sexo masculino e, entre as mulheres, a 48,4% do total de casos.
Porém, houve aumento da taxa entre jovens de 15 a 19 anos e de 20 a 24 anos, que foram, respectivamente de 62,2% e 94,6% entre 2008 e 2018. Em 2018, a maior taxa de detecção foi de 50,9 casos/100.000 habitantes, que ocorreu entre os indivíduos na faixa etária de 25 a 29 anos, diz o boletim.
O levantamento aponta razões pelas quais o aumento da incidência do HIV se deu, principalmente, entre jovens. Um deles é o esvaziamento de campanhas de prevenção destinadas ao público gay e, também, a perda de financiamento de organizações não governamentais especializadas no tema.
Recentemente, após decisão do STF, a pasta também retirou a restrição a doação de sangue por homens gays no país.
Portaria do Ministério da Saúde, publicada em 2014, e resolução da Anvisa, de 2016, afirmavam que “indivíduos do sexo masculino que tiveram relações sexuais com outros indivíduos do mesmo sexo e/ou as parceiras sexuais destes” são considerados inaptos à doação pelo período de 12 meses.
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