29/03/2024 - Edição 540

True Colors

Psicólogos ainda aplicam práticas corretivas para orientação sexual

Publicado em 15/07/2020 12:00 - Beatriz Lourenço (Galileu), AFP – Edição Semana On

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O ator H.T (que preferiu não ter o nome divulgado) tinha apenas 14 anos quando foi levado pela família ao psicólogo. Por ser muito tímido, a intenção de seus pais era ajudar o garoto a se expressar em situações de convivência social. Porém, o ambiente que era para ser acolhedor acabou se tornando um lugar de julgamento e opressão quando o terapeuta descobriu sua orientação sexual.

"Contei a ele que era homossexual e a resposta foi contrária do que era esperado. Ele disse que, na verdade, achava que eu não era gay, apenas muito tímido. Logo na próxima sessão minha mãe participou já sabendo de tudo e eu me senti completamente exposto", relata o rapaz. A partir daí, os encontros consistiam em negar (e tentar mudar) a essência do jovem. "Havia exercícios para aumentar o tom de voz, modificar a postura e não apresentar nenhum trejeito", lembra. 

Esse tipo de atendimento, também chamado de atitude corretiva ou "cura gay", é proibido pela resolução 001/99 do Conselho Federal de Psicologia. Ela define que a homossexualidade não constitui doença, distúrbio, nem perversão, além de estabelecer normas de atuação para os profissionais em relação à questão da sexualidade — ou seja, proibe qualquer tipo de atividade que favoreça tratar comportamentos homoafetivos como patologias.

No entanto, mesmo que seja contra a lei, ainda há quem considere a relação entre pessoas do mesmo sexo um desvio do que é considerado como “normal”. É o que diz um estudo do grupo de pesquisa sobre preconceito, vulnerabilidade e processos psicossociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). O trabalho é fruto da dissertação de mestrado do psicólogo Jean Ícaro Pujol Vezzosi, publicada em maio na revista científica Psicologia: Ciência e Profissão.

Para o desenvolvimento do estudo, os especialistas divulgaram questionários a 23 conselhos de psicologia do Brasil. No total, 692 psicólogos responderam anonimamente às perguntas. Os resultados msotraram que 29,48% dos especialistas aplicam ações corretivas quando o paciente pede e 12,43% lançam mão desses métodos mesmo quando não são solicitados.

De onde vem o preconceito

A partir das respostas afirmativas, os pesquisadores analisaram quais são as razões pelas quais os profissionais realizam esse tipo de atendimento. Segundo o orientador e coordenador do estudo da PUCRS, Angelo Brandelli, as justificativas mais comuns são as crenças de que a homossexualidade é uma patologia, de que crianças criadas por pais homossexuais são mais propensas a se desenvolverem com problemas, de que homossexualidade e bissexualidade são produtos de um sentimento de inadequação nas relações heterossexuais, de que existe uma causa para a sexualidade e de que há influência de alguma religião.

"A nossa preocupação maior é que ter uma lei que proibe essas práticas não impede que elas aconteçam. O fato é que a homossexualidade existe e ela precisa ser respeitada tanto pelos profissionais quanto pela sociedade", afirma Brandelli.

As atitudes corretivas também podem elevar o mal-estar de quem procura o atendimento psicológico, pois o indivíduo — que já está exposto a maior violência e discriminação — precisa enfrentar o preconceito dentro do consultório. "Isso eleva a ansiedade, a depressão, as tentativas de suicídio e o conflito identitário pelo qual o paciente está passando", explica o pesquisador.

Terapias afirmativas podem ser a solução

A aplicação adequada de intervenções psicológicas com a população LGB deveria se dar por meio de aceitação, apoio edesenvolvimento da identidade sexual, destaca um trecho da pesquisa. Dessa forma, os atendimentos devem ocorrer por meio de um conjunto de princípios que envolvem a ética e os direitos humanos.

Esses processos englobam atitudes que naturalizam as variações da sexualidade e levam acolhimento a quem está procurando ajuda. "Quem busca atendimento psicológico geralmente está passando por uma situação difícil. O papel do terapeuta nesses casos é auxiliar o paciente a afirmar sua identidade e fazer com ele saiba que precisa ter orgulho de quem é", afirma Brandelli. "O que deve ser curado, e ainda precisamos avançar muito na busca por este remédio, é o preconceito”.

A equipe de pesquisa também enfatiza a importância social de estudos sobre a psicologia do preconceito, sobretudo nos modelos da cognição social e do minority stress – termo em inglês que descreve níveis cronicamente elevados de estresse que membros de grupos minoritários ou estigmatizados enfrentam.

Como denunciar

Segundo o Conselho Federal de Psicologia, o paciente que se sentir lesado no que se refere a preconceito e/ou discriminação decorrente de sua orientação sexual ou sua identidade de gênero pode procurar o Conselho Regional de Psicologia de seu estado para notificar sobre a possível infração ética e tomar as medidas cabíveis.

"O Conselho Federal de Psicologia se manifesta contrariamente a essas atitudes e orienta a categoria de psicólogos, por meio de suas legislações, sobre a postura que eles devem seguir em relação ao cuidado e ao atendimento à população LGBT+", declara Dalcira Ferrão, psicóloga e conselheira federal de psicologia.  "A Psicologia deve ser protagonista no enfrentamento às LGBTIfobias e a todo e qualquer tipo de discriminação ou preconceito", defende.

Na rede

O Facebook anunciou a proibição de conteúdos que promovam a “terapia de conversão”, baseada na teoria infundada de que os homossexuais possam mudar sua orientação sexual por meio de uma intervenção psicológica ou espiritual.

O Facebook e sua rede social Instagram estão atualizando políticas para exigir a remoção de conteúdo que promove diretamente o que seria a “terapia de conversão”, segundo afirmou a empresa.

A medida é uma extensão de uma proibição já existente em relação aos anúncios que promovam esse tipo de terapia, que os médicos consideram ineficazes e frequentemente prejudiciais.

“Não permitimos ataques contra pessoas com base em sua orientação sexual ou identidade de gênero, e estamos atualizando nossas políticas para proibir a promoção de serviços de terapia de conversão”, comentou um porta-voz do Facebook.

“Estamos sempre revisando nossas políticas e continuaremos a consultar especialistas e pessoas com experiências individuais” sobre o assunto, acrescentou.

As “intervenções” da terapia de conversão incluem choque elétrico, privação de alimentos e náusea induzida quimicamente, observou a American Medical Association (AMA) em relatório.

Evidências empíricas mostram que a orientação sexual e de gênero nas pessoas variam de forma natural, e que a “conversão” é um equívoco, acrescentou.

Os “esforços para a mudança da orientação sexual” de uma pessoa não apenas não funcionam, mas podem causar um sofrimento significativo, ressaltou a AMA, citando um estudo mostrando que esse tratamento gera depressão, ansiedade, alienação e outros efeitos negativos.

Outro estudo citado pela AMA descobriu que quase 30% das pessoas submetidas à terapia de conversão relataram tentativas de suicídio.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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