16/04/2024 - Edição 540

True Colors

Brasil matou 163 pessoas trans em 2018, mais da metade foi morta por arma de fogo

Publicado em 30/01/2019 12:00 - Leda Antunes - Huffpost

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Thalia, Priscila, Laysa, Nicolly, Scarlety. Estas foram algumas das vítimas da transfobia no Brasil em 2018. De acordo com um levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), feito em conjunto com o Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE), 163 pessoas trans foram assassinadas no País no ano passado.

Segundo o relatório, os alvos desses crimes têm cor e idade: 97% são travestis e mulheres trans, 82% são pretas ou pardas e 60,5% tem entre 17 e 29 anos.

O relatório será lançado oficialmente no último dia 29, Dia da Visibilidade Trans, mas foi antecipado com exclusividade ao HuffPost Brasil. O ”Dossiê  dos Assassinatos e da Violência contra a População de Travestis e Transexuais no Brasil em 2018″ traz o número de mortes com base nas informações divulgadas pela mídia e em dados que chegam por afiliadas à Antra, grupos específicos que compartilham esse tipo de informação e agentes de segurança pública.

Apesar de o número de mortes em 2018 ser inferior ao registrado em 2017, quando ocorreram 179 casos – o maior índice em 10 anos -, houve um aumento no número de crimes não noticiados pela mídia, revela a pesquisa.

Cerca de 30% dos 163 crimes cometidos no ano passado não foram noticiados em nenhum veículo de comunicação. A Antra afirma que encontrou notícias de que apenas 15 casos tiveram os suspeitos presos, o que representa 9% dos casos.

O relatório considera que o número de assassinatos registrado é menor do que o que de fato ocorre, reforçando que há subnotificação e que a falta de tipificação deste tipo de crime dificulta o monitoramento dos dados.

“Está comprovada a subnotificação quando não há dados oficiais. Demos o exemplo do Ceará, no caso Dandara: a Secretária de Segurança deu zero casos de transfobia em 2017, quando, naquele ano, o estado foi o que mais matou travestis e transexuais. A falta de dados já é uma face da subnotificação”, explica a secretária de Articulação Política da Antra e autora do estudo, Bruna Benevides.

O Supremo Tribunal Federal deve começar a julgar em fevereiro 2 ações que pedem a tipificação da homotransfobia no Código Penal. “A tipificação ajudaria a levantar dados oficiais. Não resolve a questão, visto a dificuldade de enquadramento, mas ajuda a ter um levantamento pelo Estado sobre esses crimes. A aprovação da criminalização pode frear o avanço das violências e gerar dados por haver enquadramento previsto”, afirma Benevides.

″É preciso ter uma legislação própria que vá criminalizar quem comete esses atos. E é preciso uma observação muito acurada sobre esses crimes. Um crime brutal como esse que ocorreu em Campinas, contra a travesti Quelly, não pode ser tipificado somente crime de homicídio. Ele é um crime motivado por transfobia”, reforça a ativista Keila Simpson, presidente da Antra.

Requintes de crueldade

Dos casos contabilizados pelo dossiê, 53% foram cometidos com armas de fogo, 21% com arma branca e 19% por espancamento, asfixia e/ou estrangulamento. Oito em cada 10 crimes apresentaram requintes de crueldade, como o uso excessivo de violência, esquartejamentos e afogamentos. Ocorreram ainda 11 casos de execução direta com número elevado de tiros – entre 6 e 26 disparos – e  diversos apedrejamentos e decapitações.

“Esse nível de crueldade é uma marca relativamente comum do ódio transfóbico”, afirma o advogado Paulo Iotti, do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (GADvS).

A idade média das vítimas dos assassinatos em 2018 é de 26 anos. Ainda segundo o levantamento, 65% dos crimes foram contra mulheres trans profissionais do sexo e 60% deles aconteceram nas ruas.

De acordo com dados levantados pela Antra, 90% da população de travestis e transexuais utilizam a prostituição como fonte de renda e subsistência, devido à baixa escolaridade provocada pelo processo constante de exclusão escolar e familiar vivenciado por essas pessoas desde muito cedo.

“O não reconhecimento das identidades trans, o abandono familiar, a exclusão escolar, a precarização laboral e a exclusão do mercado de trabalho, são aspectos que levam à marginalização dessa população”, diz o relatório.

Em 2018, a pesquisa da Antra e do IBTE também mapeou as tentativas de homicídio sofridas pela população trans no Brasil. Foram 71 casos registrados pela imprensa, um número 9,8% maior em relação ao ano anterior. Todas as vítimas são do gênero feminino e 72% são prostitutas.

Transfobia nos estados

Em números absolutos, o Rio de Janeiro foi o que mais matou pessoas trans em 2018, com 16 assassinatos. A Bahia registrou 15 casos, São Paulo, 14, o Ceará 13 e, em quinto lugar, o Pará, com 10.

Em números proporcionais à população, o ranking se altera, com o Mato Grosso em primeiro lugar, Sergipe em segundo, Roraima em terceiro, Rio Grande do Norte em quarto e o Amazonas em quinto, com as mais altas proporções de assassinatos de pessoas trans por 100 mil habitantes.

O dossiê da Antra ressalta que, atualmente, apenas seis estados aplicam a Lei Maria da Penha para travestis e transexuais no país: Acre, Pará, Piauí, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. Porém, o relatório avalia que isso ocorre de forma muito incipiente e que as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher não estão preparadas para receber pessoas trans vítimas de violência.  

“O Estado, na realidade, é o que mais violenta esse grupo, não reconhecendo sua identidade de gênero”, diz o texto.

Suicídio e outras mortes

Os números de suicídio reportados entre a população chegaram a 8 no ano passado. Em  2017, foram 7 casos e, em 2016, 12.

O relatório “Transexualidades e Saúde Pública no Brasil: entre a invisibilidade e a demanda por políticas públicas para homens trans”, do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT da UFMG , revelou que 85,7% dos homens trans já pensaram em suicídio ou tentaram cometer o ato.

Em 2016, 2017 e 2018 foram registradas 7, 6 e 5 mortes ocasionadas pelo uso de silicone industrial, respectivamente.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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