28/03/2024 - Edição 540

Eles em Nós

Ditadura: o Brasil nunca acertou as contas com suas mentiras

Publicado em 31/03/2021 12:00 - Idelber Avelar

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Sabemos que o golpe militar concretizou-se no dia 1˚ de abril mas, temerosos de que o dia da mentira se tornasse simbólico do golpe, os militares começaram mentindo sobre a data e oficializaram o 31 de março. Sempre me divertiu esse oxímoro genuinamente nacional: os militares já começaram mentindo para tentar escapar da fama de mentirosos.

O Brasil nunca acertou as contas com essas mentiras. Não realizamos qualquer trabalho mnemônico, não nos lembramos de nada, repetimos, amnésicos, as mesmas catástrofes das gerações anteriores. Em "Eles em nós", há uma seção sobre isso, intitulada "A retórica da amnésia".

No dia 31 de março, focalizei-me em desmentir mais uma vez duas grandes mistificações nas quais se apoiaram os militares e continua se apoiando o bolsonarismo. Essas mistificações são que 1964 aconteceu para "livrar o Brasil do comunismo" e de que "a sociedade brasileira" já não queria João Goulart.

Repita comigo:

1. Não existia guerrilha de esquerda em 1964. Mais uma vez: não existia esquerda armada em 1964. Terceira repetição: não havia forças de esquerda "preparando revolução armada" em 1964.

2. A outra é importante repetir porque não é muita gente que sabe: Jango tinha 70% de aprovação segundo pesquisas em 1964. Confira comigo no replay: João Goulart tinha estratosféricos 70% de apoio no momento do golpe. Terceira, para firmar: mais de 2 entre cada 3 brasileiros apoiavam Jango quando ele foi deposto.

Mentiram, mataram, torturaram, destruíram a democracia, forçaram a barra até que Reinaldo foi colocado no banco na Copa de 1978, arrebentaram famílias, encurralaram e acossaram até que Reinaldo nem foi chamado para a Copa de 1982, deixaram a hiperinflação e ainda por cima plantaram a sementinha da desgraça que nos governa.

Nada de bom fizeram e a turma da esquerda que andou elogiando essa ditadura em anos recentes deveria se envergonhar. Mas não vão, porque somos mesmo o país da amnésia.

FILHOTES DA DITADURA

Gosto de abrir a internet e ver filhote/netinho de ditador sendo levado pra escola. Valeu, Casarões!

GRÁFICOS ATERRORIZANTES

Dois gráficos aterrorizantes que mandam a real (fonte nos comentários):

1) a proporção de mortos brasileiros em relação aos mortos do mundo inteiro, em comparação com o tamanho da população brasileira em relação ao resto do mundo.

2) a proporção da população já vacinada em Israel, Reino Unido, Chile, EUA, Canadá, União Europeia e, lá embaixo no gráfico, o Brasil.

AMNÉSIA SELETIVA

A estas alturas, pouca gente discorda de que o Brasil é um país bastante amnésico.

O que fazer para combater isso? Não há saída mágica, claro, para algo tão arraigado. Mas uma forma de fazê-lo seria tomar pequenas iniciativas, realizar modestas brincadeiras, instituir mini rituais mnemônicos. Um deles, útil para um país desmemoriado, seria um periódico "Capas que envelheceram mal".

Minha candidata é esta, Americas Quarterly, fevereiro de 2016.

RECORDAÇÕES

Um marco das parcas memórias que temos — essa temos. Rachel Clemens Coelho se recusou a dar a mão ao ditador e Guinaldo Nicolaevsky imortalizou a imagem. Corria o mês de setembro de 1979 e a cidade que teve o privilégio de ser cenário dessa imagem foi a nossa, Belo Horizonte. Rachel tinha 5 anos de idade.

Uma das imagens mais ilustres do caráter já moribundo e fétido da ditadura.

BOA LEITURA

Minha última leitura em Terra Brasilis foi este notável texto de Wagner Artur Cabral, sobre as possibilidades jurídicas de responsabilização pelo morticínio. Wagner tem sido meu interlocutor nos últimos tempos e tenho aprendido muito com ele.

Aí vai um trecho:

“O debate político precisa encarar de frente alguns diagnósticos difíceis, que exigem mudanças. O principal dele me parece ser que a punição individual é necessária, mas não basta. É preciso um esforço de consolidação da memória, memória essa que nos permita identificar outros elementos conjunturais constitutivos do estado de coisa que permitiu que tratemos com naturalidade comezinha a morte de centenas de milhares de nacionais. Quais as estruturas políticas, sociais, e econômicas que foram partícipes do crime contra a humanidade, e sem as quais muito poderia ter sido evitado, no Estado ou na sociedade civil.”

Leia outros artigos da coluna: Eles em Nós

Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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