29/03/2024 - Edição 540

Eles em Nós

Seleção de todos os tempos

Publicado em 17/02/2021 12:00 - idelber avelar

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A Revista Placar escalou a seleção brasileira de todos os tempos. Não é uma seleção ruim — não teria como ser, evidentemente.

Mas o que me irrita nessas listas não é resistência minha a algum nome em particular, mas o fato de que nunca fica claro qual é o critério.

Neste caso, o critério parece ser o que fizeram pela seleção, não em suas carreiras como um todo. Se essa é a porra do critério, é inexplicável a presença de Falcão, por exemplo. Ele é um dos maiores que vi jogar, eu o colocaria em uma seleção do mundo se contarmos a carreira em clubes, mas na seleção não fez tanta coisa. Fez duas excepcionais partidas em uma Copa do Mundo em que o Brasil ficou em 5˚ lugar e todo mundo jogou bem. Só.

Em todo caso, a Seleção da Placar é:

Taffarel

Carlos Alberto Torres

Bellini

Aldair

Nilton Santos

Falcão

Didi

Pelé

Garrincha

Romário

Ronaldo.

Técnico: Zagallo.

****

Não vou discutir a escalação, limito-me ao técnico escolhido. É inegável que Zagallo ganhou muitos títulos, a maioria deles com Flamengo, Botafogo etc. Na seleção, ele ganhou a Copa do Mundo de 1970 e uma Copa América, em 1997.

Zagallo dirigiu a seleção em:

1. Copa de 1970. Ganhou com o maior time de todos os tempos em valores individuais, que ele herdou de João Saldanha pronto. Não conheço um único boleiro que aposte que o Brasil também não teria sido campeão com João Comuna na casamata, Edu na ponta esquerda e Djalma Dias na zaga, que foram as únicas mudanças que Zagallo fez (colocando Piazza improvisado na zaga e Rivellino de ponta recuado à esquerda).

2. Copa de 1974. ESSA, mes amis, ESSA sim, teria que ter sido a Copa de Zagallo. Com toda a moral do mundo, ele teve 4 anos para preparar-se, sob os lauréis do Brasil elogiado mundo afora. À disposição, ele tinha o que considero a melhor geração de todos os tempos em termos de volume/ talento. Já não havia Pelé ou Tostão, mas só de jogadores no auge: Ademir da Guia, Jairzinho, Rivellino, Dirceu Lopes, Clodoaldo, Piazza, Paulo César Caju, Carpeggiani, Leivinha, Falcão já brilhando, Mirandinha, Dudu, Joãozinho, Nelinho, Marinho Chagas, Luís Pereira etc. etc.

Zagallo fez um time que conseguiu ficar 180 minutos sem marcar gol, classificou-se graças a um frango homérico, ao apagar das luzes, do goleiro do ZAIRE, e depois levou vareios de Holanda e Polônia. Foi uma das seleções mais medíocres que o Brasil já montou, apesar de ter ficado em 4˚ lugar.

3. Copa de 1998. De novo com uma geração talentosíssima, Zagallo consegue a façanha de perder para a Noruega na fase de grupos e, na final, protagonizar um vexame inédito para um treinador: anunciar uma escalação mudada, com um reserva no lugar de um titular que havia tido uma CONVULSÃO, para no fim das contas lançar a campo o atleta que havia passado pela convulsão. E levar a maior goleada já sofrida por uma seleção brasileira em Copas até a chegada da era do 7 x 1.

Zagallo também era o técnico da seleção brasileira que levou a maior virada de sua história em Olimpíadas, o 3 x 4 que o Brasil vencia por 3 x 1 contra a Nigéria nos Jogos de 1996.

*****

Meu ponto é um só. Para escolher o maior técnico da seleção brasileira, você pode ter dois critérios. O critério é quem ganhou mais? Então a escolha é Vicente Feola, campeão em 1958, que só perdeu em 1966.

O critério é quem realmente forjou um grande time à sua imagem e semelhança e encantou o Brasil e o mundo? Aí a escolha óbvia é Telê Santana (1981-86).

Dito isso, lembro que estou muito feliz que o Velho Lobo já está vacinado. Que ele esteja conosco muitas décadas mais, inclusive porque é mais divertido que essas múmias das mesas-redondas de futebol. Mas o maior técnico da seleção ele não é, não.

O mais vitorioso é Feola. O maior é Telê.

PANTEÃO

Um amigo pediu a bibliografia que acho mais interessante sobre futebol, e resolvi trazer pra cá meus oito livros favoritos, excluindo os dois clássicos que todos conhecem ou de que já ouviram falar: "O negro no futebol brasileiro", de Mario Filho, que inaugura a biblioteca brasileira sobre futebol, e as muitas crônicas de Nelson Rodrigues.

Além desses, recomendo os seguintes oito livros:

1. Da bibliografia estrangeira, "How soccer explains the world", de Franklin Foer, foi lançado no Brasil com o título de "Como o futebol explica o mundo". É pensamento fino, para qualquer um ler, mesmo quem não assiste a jogos de futebol.

2. "Quando é dia de futebol" é uma compilação dos escritos de Carlos Drummond de Andrade. Recomendadíssimo. Nosso maior poeta foi também o maior intérprete do trauma da Copa de 1982.

3. Na área de história, recomendo "Footballmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro, 1902-1938", de Leonardo de Miranda Pereira. Tem toneladas de pesquisa empírica em jornais da época.

4. No gênero crônicas e causos, o melhor pra mim são as "Histórias do futebol", de João Saldanha.

5. O livro mais sofisticado já escrito sobre futebol no Brasil, creio que a turma que conhece a bibliografia concorda, é "Veneno Remédio", de José Miguel Wisnik. É uma reflexão caudalosa sobre o país. Resenhei esse livro na época, para o saudoso Jornal do Brasil.

6. "Quem desloca tem preferência" é uma coleção de ensaios de Marcelino Rodrigues. Nele, "picadinho de Raposa com sopa de Galo" oferece a melhor explicação da peculiaridade da principal rivalidade mineira, na qual não há "time de elite", mas duas articulações do popular: a liberal, do Cruzeiro (a astuta raposa que trabalha), e a populista, do Galo (o grito que incendeia o povo). Texto brilhante, esse. Vale o livro.

7. Se você quiser dar gargalhadas, aí é a biografia do Vicente Matheus: "Quem está na chuva é para se queimar", do Luiz Carlos Ramos.

8. Em último, para destacá-lo, um livro criminosamente desconhecido no Brasil: "Fútbol, dinámica do lo impensado", clássico de 1967 do argentino Dante Panzeri.

A bibliografia argentina sobre futebol é bem mais caudalosa e sofisticada que a brasileira, e enche estantes, mas não adianta ficar recomendando livros que vocês não têm como achar. ESTE, plmdds, já passou da hora: é uma obra clássica de 54 anos de idade, com 300 páginas das reflexões filosóficas mais lindas já escritas sobre o esporte: o contingente do futebol, o imprevisto que o caracteriza, o lugar da fatalidade no esporte etc. Se virem, comprem. Se tiverem amigo editor, pentelhem-no para que traduza e lance no Brasil.

O meu panteão básico é esse aí.

BOM DOCUMENTÁRIO

O melhor documentário que vi ultimamente foi este, sobre o melhor ser humano a ter ocupado a Casa Branca nos tempos modernos, Jimmy Carter.

É um documentário sobre como se escreveu um livro corajoso, o seu "Palestine: Peace, not Apartheid". Tem um pouquinho de gordura, poderia ser um pouco mais curto, mas vale a pena.

Sou fã desse cabra, que figuraça.

CRÁPULAS

Morreu Rush Limbaugh, aos 70 anos.

Quando morre um crápula, em geral, guardo silêncio em respeito a algum familiar ou amigo que exista por aí. Não será o caso com esse pulha, inclusive para que se entenda a importância dele.

Se você me perguntasse, como alguém que estuda retórica na política e mora nos EUA há 30 anos, qual é a pessoa que mais decisivamente formou a língua em que teve lugar a política americana destas 3 décadas, eu diria que foi Limbaugh. Mais que os Clinton, mais que os Bush, mais que Obama, mais que Trump. Retoricamente, este último não é senão um filhotinho de Limbaugh, inclusive.

Foi ele quem inventou o radialismo de extrema-direita como grande espetáculo na pólis. Sua crueldade chegava ao ponto de ler, para envergonhamento público, os nomes de gays e lésbicas mortos com HIV, para que seus enterros se transformassem em um inferno para os parentes.

Não me consta que tenha inventado, mas foi quem popularizou o termo "feminazi". Pela primeira vez, o rádio era usado para arregimentar hordas de fanáticos que saíam de casa para ir tornar impossível o trajeto de uma mulher que exercia seu direito legal de fazer um aborto. Foi o pioneiro das fake news como projeto diário, obsessivo, de martelar uma versão conspiratória da realidade como arma política contra um adversário.

Dali ao trumpismo foram 25 anos, mas na verdade um pulinho só.

Sei que no governo Clinton os Estados Unidos continuaram com política imperialista, bombardearam o Sudão e a Iugoslávia, não mudaram a política antipalestina etc., mas para nós, que vivemos no país, foi um período de paz e prosperidade, crescimento econômico, quase pleno emprego. O grande escândalo foi um boquete.

Ah, nesse boquete Limbaugh encontrou sua vocação de gordinho ressentido! Era nítida, na invectiva, o amargor do feioso ante o Presidente galinha e bonitão. Até mesmo nesse quesito, Limbaugh foi o precursor de Trump, em cuja ascensão cumpriu um papel central o ressentimento do balofo misógino ante um Presidente negro charmoso e com taxas de aprovação estratosféricas entre as mulheres.

Morreu o cabra cujo veneno regou o solo de toda essa merda que estamos vivendo. Que meus compatriotas gays/ lésbicas/ trans/ muçulmanos e "abortistas" o recebam, filho da puta, no mais-além em que você fingia que acreditava, com um bolo de cereja e chocolate para esfregar-lhe nas fuças, vestidos à la Village People e cantando YMCA.

O BRASIL, INACREDITÁVEL

A palavra "inacreditável" já perdeu todo o sentido no Brasil.

Um deputado que louva a ditadura militar foi preso por causa de vídeos seus no YouTube, por ordem de um ministro do STF, com base em … uma lei da ditadura militar!

Não é incrível?

Daniel Silveira é o psicopata bolsonarista que quebrou a placa em homenagem a Marielle Franco. Sua tagarelice no YouTube é uma mistura de olavismo radical, conspiracionismo alucinógeno, bate-bumbo militarista de extrema-direita e muito xingamento ao STF.

Decidam, se quiserem, se há crime aqui. Não se esqueçam de dissertar sobre mais esse maravilhoso oximoro nacional, o mandado de prisão em flagrante.

O maluco disse, em um vídeo que Alexandre do Moraes mandou retirar do YT sob pena de multa, mas que ainda está lá, no momento com 120.000 visualizações:

"Por várias e várias vezes já te imaginei (Fachin) levando uma surra. Quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa corte aí. Quantas vezes eu imaginei você, na rua levando uma surra. O que você vai falar? Que eu tô fomentando a violência? Não, só imaginei. Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime, você sabe que não seria crime. Você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível. Então qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar, de preferência após a refeição, não é crime."

Depois o doidão continuou:

"Vá lá, prende Villas Bôas. Seja homem uma vez na tua vida, vai lá e prende Villas Bôas. Seja homem uma vez na tua vida, vai lá e prende Villas Bôas. Fala pro Alexandre de Moraes, o homenzão, o fodão, vai lá e manda ele prender o Villas Bôas. Vai lá e prende um general do Exército. Eu quero ver, Fachin. Você, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, o que solta os bandidos o tempo todo. Toda hora dá um habeas corpus, vende um habeas corpus, vende sentenças".

Depois, já naquele momento do solo de guitarra:

"Fachin, um conselho pra você. Vai lá e prende o Villas Bôas rapidão, só pra gente ver um negocinho. Se tu não tem coragem, porque tu não tem culhão pra isso, principalmente o Barroso que não tem mesmo. Na verdade ele gosta do culhão roxo. Gilmar Mendes… Barroso, o que é que ele gosta: culhão roxo. Mas não tem culhão roxo. Fachin, covarde. Gilmar Mendes… (faz gesto esfregando os dedos para simbolizar dinheiro) é isso que tu gosta né Gilmarzão? A gente sabe."

O vídeo é horrível, eu só consegui ver metade. Delírios de um miliciano, em suma.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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