19/04/2024 - Edição 540

Eles em Nós

Mortes de crianças Yanomami alimentam temores por grupos indígenas

Publicado em 10/02/2021 12:00 - Idelber Avelar

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É muito grave isto aqui. O texto que segue abaixo é reportagem de Flávia Milhorance que saiu em inglês no Guardian. A tradução não é minha, é livre/ anônima/ coletiva circulada pelo camarada Caetano Scannavino, à qual só fiz um ajuste. A foto que ilustra o post é de Nelson Almeida (AFP/Getty Images) e mostra Yanomamis em Surucucu, Roraima.

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"MORTES DE CRIANÇAS YANOMAMI ALIMENTAM TEMORES POR GRUPOS INDÍGENAS"

Dez crianças Yanomami morreram de Covid-19 em janeiro, alimentando temores sobre o impacto desproporcional que o coronavírus está tendo sobre comunidades indígenas vulneráveis ​​na Amazônia brasileira.

“É muito preocupante que tantas crianças morram em menos de um mês”, disse Júnior Hekurari Yanomami, chefe do Condisi-YY, um conselho de saúde indígena.

As vítimas foram diagnosticadas por um agente de saúde local e cremadas seguindo a tradição Yanomami. Eles viviam nas comunidades remotas de Waphuta e Kataroa, perto da fronteira com a Venezuela, que só são acessíveis por avião.

Especialistas em saúde pública alertaram que o coronavírus pode causar estragos em grupos indígenas em uma região onde doenças infecciosas como sarampo, varíola e vírus da gripe dizimaram essas comunidades.

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A reserva indígena Yanomami é do tamanho de Portugal e um estudo recente mostrou que ela é particularmente vulnerável à propagação do vírus, devido à limitação de saúde e à dificuldade de logística. “A saúde dos Yanomami já caiu, não temos apoio do estado”, acrescentou Hekurari.

Os jovens parecem ser particularmente vulneráveis: das 32 Yanomami que já haviam sido confirmadas ou suspeitadas de mortes de Covid-19, sete vítimas tinham menos de dois anos.

Quatro outras pessoas tinham entre 12 e 20 anos, incluindo um menino de 15 anos que se tornou a primeira vítima indígena fatal em abril.

“As crianças Yanomami são claramente mais vulneráveis ​​ao vírus, porque muitas sofrem de desnutrição e doenças como malária, e algumas áreas não têm profissionais de saúde”, disse Maurício Ye'kwana, diretor da Associação Yanomami Hutukara, falando pelo Whatsapp da comunidade de Auaris.

O vírus já atingiu todos os territórios indígenas do Brasil e causou mais de 47.000 casos e 900 mortes.

Na reserva Yanomami, mais de 1.600 pessoas tiveram resultado positivo, embora a antropóloga Ana Maria Machado, integrante da rede Yanomami e Ye'kwana, disse que as taxas de testagem são muito baixas: “Estimamos mais de 10.000 infecções, considerando que vivem em grandes casas coletivas, compartilham utensílios e não têm acesso a solução de limpeza com álcool ou sabão.”

Outras populações do mundo viram relativamente poucas mortes por Covid-19 entre crianças em comparação com outras faixas etárias. Mas especialistas no Brasil acreditam que o vírus tem um impacto muito mais agressivo nas crianças indígenas.

“A taxa de mortalidade de Covid é muito maior em indígenas menores de cinco anos do que na mesma faixa etária da população em geral”, disse o epidemiologista Andrey Cardoso, cuja equipe do instituto de pesquisa governamental Fiocruz publicará em breve um estudo sobre o assunto.

Em pesquisa anterior, Cardoso constatou que as crianças indígenas enfrentam piores condições sanitárias e de saúde, com alta prevalência de anemia, desnutrição, diarreia e baixa estatura.

A região amazônica está passando por um novo aumento alarmante de casos ligados a uma variante aparentemente mais contagiosa, que levou os serviços de emergência ao seu limite.

“Esta segunda onda é mais assustadora porque sabemos que uma mutação já está circulando no estado de Roraima”, disse Ye'kwana.

O Ministério da Saúde do Brasil disse na quinta-feira que enviou uma missão para investigar os casos no território Yanomami.

Mas os líderes indígenas e ativistas acusam o governo de negligenciar os 28.000 Yanomami e Ye'kwana, que dependem de menos de 200 profissionais de saúde ativos. Eles também alertaram sobre o aumento de garimpeiros pioneiros levando o vírus para comunidades isoladas durante a pandemia.

O afluxo de garimpeiros ilegais é um trauma de longa data para os Yanomami. A corrida do ouro que atingiu o pico no final da década de 1980 trouxe 40 mil garimpeiros , o que causou violência, desmatamento e surtos de doenças infecciosas.

As incursões voltaram a se intensificar em meio ao desmonte sistemático das políticas ambientais desde a posse de Jair Bolsonaro, em 2019. Nesta semana, o presidente do Brasil enviou ao Congresso uma lista de “projetos prioritários”, incluindo um que visa a abertura de territórios indígenas à mineração.

De acordo com dados coletados pela Amazônia Minada, projeto da InfoAmazonia, 142 pedidos de pesquisa e mineração dentro da reserva Yanomami estão ativos na agência de mineração do Brasil.

SE FOR LER, LEIA ISSO

Se você for ler UMA coisa na internet esta semana, leia esta entrevista com José de Souza Martins, uma das instituições vivas da sociologia brasileira. É um show do entrevistado mas também da entrevistadora, Patricia Fachin, cuja argúcia para perguntar eu conheço bem, pois já fui entrevistado por ela umas três vezes.

toda a entrevista é imperdível; já faz quase uma hora que estou lendo e ainda não terminei. Destaco apenas alguns trechos favoritos.

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"Um dos reflexos na sociologia brasileira, sobretudo na formação das novas gerações, é que muitos entendem que pensamento crítico é o pensamento antagônico, sobretudo em relação àquilo de que discordamos por motivos ideológicos ou partidários."

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"Houve uma ideologização da produção do conhecimento sociológico, aquela coisa do politicamente correto, a coisa do engajamento. Mas a prioridade de qualquer trabalho sociológico não é nem engajamento nem o politicamente correto, da ilusória certeza na linearidade do processo histórico. O sociólogo tem que ser objetivo; esse é um princípio básico da ciência. Houve muita condescendência com esse voluntarismo político que foi muito marcante no Brasil, e que produziu análises que não servem para nada no fim das contas."

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"Isso acontece com os alunos. A sociologia, enquanto ciência, é objetiva: um biólogo que está estudando a minhoca não se apaixona por ela, porque não serve para nada se apaixonar pela minhoca. Da mesma forma, se você estuda um grupo humano X, você não pode se converter ao grupo, você nunca será membro daquele grupo porque você é outra pessoa. Então, o que tem que fazer é assumir a sua alteridade e observar objetivamente de fora para dentro, sabendo quais são suas limitações, porque você não é daquele grupo. Poderá viver com ele, mas sempre será o outro.

Se pensarmos num grupo indígena, por exemplo, eles têm valores que não se revelam imediatamente, não são discursivos, eles não vão fazer uma sociologia ou uma antropologia para você; eles são eles e você é quem tem que descobrir e, objetivamente, entender que a humanidade é feita de diferenças. Há homem e mulher, que são diferentes, existem crianças que vão se tornar adultas e que são diferentes; as pessoas mudam e se ressocializam. Então, temos que estar atentos a isso tudo. O pesquisador não pode determinar o que a sociedade deve ser e nem fazer o que Bolsonaro faz. Para ele, ser brasileiro é ser o que ele acha que é, e o que ele é não é brasileiro; esse é o detalhe. Ele recebeu uma educação de quartel, por isso ele tem as limitações da visão de mundo instituição que o educou., como eu posso ter as minhas. O sociólogo trabalha objetivamente quando consegue situar e relativizar todas essas diferenças."

Leiam essa maravilha.

COISA BOA

O empilhamento de cadáveres e notícias ruins é de tal ordem que cada vez que acontece algo bacana, eu ando sentindo a vontade de registrar, mesmo a risco de parecer cabotino.

Ontem aconteceu uma das melhores palestras que já dei na vida, não porque eu tenha feito nada especial ou diferente do que sempre faço nos 40 minutos de fala, mas porque o grupo que me convidou era de tal calibre, e tinha uma conversa tão azeitada e de alto astral entre eles, que a sessão de perguntas e respostas foi daquelas experiências incríveis, de umas 2 horas e tanto.

Não era nenhuma universidade ou instituição, mas apenas um grupo de amigos, predominantemente gaúchos (e uma galera no Rio), que se reúne entre eles para conversar à margem da polarização, sobrepolitização e ultra agressividade das redes. Havia gente da filosofia, da sociologia, juristas. Esses grupos são das melhores coisas que rolam nas redes: pessoas se associando livremente por afinidades. Eu participo/ei de alguns, fui parceiro na fundação de alguns, ajudei a dinamitar uns outros na hora da morte deles também. Gosto desse ciclo.

Esses gaúchos me convidaram para apresentar o “Eles em nós”, o que fiz com prazer. Obrigado ao Antonio pelo convite e à gauchada pela presença. Havia umas 30 pessoas.

Aproveito para avisar que, você tendo espaços coletivos semelhantes (um grupo, né, não 1 ou 2 pessoas), e querendo, apresento o livro como fiz a eles, antes ou depois do lançamento em março. Acho que é o mínimo, afinal ninguém vai a lugar nenhum tão cedo.

HOMENAGEM

Dessas coisas de partir o coração: defesa póstuma de dissertação escrita por pesquisador indígena levado pela covid. Viva o Ely! E parabéns à UFAM por realizar a cerimônia.

INCONSTITUCIONAL

Uma lei estadual de Roraima violou a Constituição na tora, "regulamentando" (ilegalmente) o garimpo em terra indígena. Isso em um contexto em que o governo do minúsculo quer "passar a boiada" do garimpo em terra indígena, projeto de produção de morte mesmo.

Apoie e divulgue, por favor, a ADI da REDE, encaminhada por Joenia Wapichana, apenas a segunda pessoa indígena, e primeira mulher indígena, a ser parlamentar federal dessa assassina, genocida república.

NÃO TEM MUNDIAL

Não tenho nenhum motivo nem autoridade para zoar o Palmeiras, e quem me conhece mais de perto sabe que sou praticamente sócio cadeira cativa do Allianz.

Dito isso, estou rindo, sim, não porque a tigrada do Verdão amenize a rajada do Galo oito anos atrás, mas porque sempre rio quando a lei universal do futebol se confirma: tagarelou antes da hora, a bola pune.

24 horas antes do jogo, o carniceiro Felipe Melo, uma das caras mais conhecidas do time (apesar de estar começando jogos no banco), fez sua live zinha de bate-papo com o criminoso presidente responsável por tantas mortes.

"Ah, não se deve misturar futebol e política!" Se a resposta ao post for essa, avisem isso primeiro ao Felipe Melo, que junto com outros jogadores está há tempos colocando o manto verde a serviço de um presidente assassino.

Palmeirense com esportiva hoje lida de boas com a zoeira e se concentra no mais importante: bombardear o bolsonarismo dentro de elenco e apontar o pé frio do minúsculo.

LEIA O LIVRO

Uma das vantagens de se escrever um livro sobre um tema é que você passa a ter uma excelente desculpa para não participar de certas conversas. Basta dizer: “ah, se você quer saber o que eu penso mesmo sobre isso, leia o livro.”

Na maioria dos casos, é uma pura trapaça dos autores, porque nem sempre a resposta está tão clara assim no livro e quase nunca é impossível resumir o seu ponto de vista em três ou quatro parágrafos ao interlocutor que pede.

O debate eleitoral brasileiro para 2022, que está começando, é um desses casos. Os números que emolduram a realidade efetivamente existente (uso essa expressão para diferenciá-la da realidade só existente na cabeça dos fieis de alguma força política) são amplamente conhecidos, eles não são secretos:

1˚ Bolsonaro tem 1/3 do país com ele, marromeno para cima, marromeno para baixo, dependendo de fatores conjunturais.

2˚ A maior força política brasileira continua sendo o antipetismo, que mobiliza ½ da sociedade. Todo bolsonarista é antipetista. Nem todos os antipetistas se vêem representados no bolsonarismo, mas a esmagadora maioria estará disposta a fechar com ele se o adversário for o petismo.

3˚ O petismo/ lulismo continua sendo a força de maior penetração social dentro do campo não bolsonarista, com 1/5 da sociedade de potência eleitoral imediata.

É só fazer as contas, e eu estou longe de ser o único a ter apontado essas obviedades.

“Ah, então a culpa é do PT.” Não, Pedro Bó, estou descrevendo um quadro político, e o surpreendente seria descrever o quadro político de um país sem incluir a força que o governou durante 14 dos últimos 20 anos, especialmente em um contexto em que essa força ainda mobiliza as paixões políticas de uns 70% da população, uns 50% contra si e uns 20% a seu favor.

Como as movidas do campo petista já repetem as de 2018, que foram todas concentradas explícita, declaradamente no objetivo de colocar Bolsonaro no segundo turno, vai se encaminhando uma repetição da tragédia avisada por tantos. As movidas são difíceis de se questionar porque no campo petista há obediência cega ao ego de um homem, que foi um bom presidente mas tem sido, há uma década já, um ex presidente catastrófico, desastroso.

O campo bolsonarista sabe que pode perder terreno até a eleição e o antipetismo é a carta que tem na manga quando os desastres do governo de seu líder tiverem que ser debatidos em um processo eleitoral. A carta antipetista funcionou 3 vezes já, em 2016, 2018 e 2020. Nada indica que o poder dessa carta tenha se enfraquecido.

Pode ser que se encontre um caminho para derrotar o minúsculo? Claro que sim, é possível. Ele não tem maioria. Mas fingindo que esses números aí não existem, vai ser difícil.

Leia outros artigos da coluna: Eles em Nós

Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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