29/03/2024 - Edição 540

Eles em Nós

Todos no mesmo barco?

Publicado em 14/01/2021 12:00 - Idelber Avelar

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Nos últimos dias, houve outro surto de contaminações em pessoas próximas a mim no Brasil. Lendo a reportagem de Letícia Naísa sobre médicas/os e enfermeiras/os na pandemia (abaixo), bateu de novo a deprê com a situação sanitária e política, e eu queria deixar mais uma vez o agradecimento aos profissionais da saúde que cuidaram dos meus próximos.

Não tenho a menor ideia do que deve ser acordar todos os dias, empacotar-se, ir para o hospital e cumprir uma jornada de 12h com unidades lotadas, filas, mortes em profusão e ainda por cima falta de tempo para processar as mortes, porque impõe-se vagar o leito.

O custo em saúde mental vai ser alto, já sabemos, e eu queria reiterar aos profissionais da saúde: se houver algo mais que uma pagininha como esta puder fazer para colaborar, além de agradecer em profusão, por favor avisem. Não tem nome o que está vivendo a galera que trabalha em hospitais. Obrigado mesmo.

BOA REPORTAGEM

Reportagem impactante, de fôlego mesmo, de Letícia Naísa, com imagens de Edu Cavalcanti. Um dos meus trechos favoritos:

"Como Sztajnbok, residentes, enfermeiros e técnicos de enfermagem também relatam problemas de sono. Por trás do rímel das mulheres ou das lentes dos óculos há uma mistura de exaustão e atenção redobrada. Cada médico é responsável por reportar o estado de saúde de seu paciente ao familiar. Os óbitos, sempre dolorosos de anunciar, afetam toda a equipe envolvida no cuidado.

"A gente não aprende a lidar muito bem com a morte. Somos treinados a vencer e tirar o paciente daquela situação", relata Dyemison Pinheiro da Silva, 26, médico residente. "O primeiro [paciente com Covid-19] que perdi foi uma coisa tão rápida. Eles estão bem e, de uma hora para outra, morrem. Foi difícil de processar."

O chefe da UTI conta que não dá tempo de um leito ficar vazio. Há uma lista de espera, coordenada pela Cross (Central de Regulação de Ofertas e Serviços da Saúde), que aciona toda a rede de hospitais do estado para manejar os pacientes. "Não dá para pensar no que você perdeu, porque você olha para trás e tem 100 pessoas numa fila para aquela vaga. E é nisso que você está focado. Tem mais gente para vir, e assim segue."

Médicos e enfermeiros se ocupam do próximo doente, e Sandra Santos, 51, pedagoga hospitalar, é quem cuida de quem recebe a notícia da morte. "Acolher e não poder dar um abraço te obriga a simplesmente ficar ao lado, olhar e escutar", diz, com os próprios olhos marejados. "Me sinto impotente por não poder fazer mais, mas, ao mesmo tempo, é uma sensação de gratidão saber que Deus deu um dom a cada um e minha missão é a de acolher."

BRASILEIRÃO!

Minas Gerais volta a ter dois clubes na Série A do Brasileirão!

Parabéns ao América pela campanha impecável, mesmo prejudicado — com frequência e curiosamente— pelas arbitragens. O Coelho está garantido na Série A do ano que vem e é o favorito para o título da Série B deste ano.

Para aprender a não ser arrogante, o Galo será obrigado a retirar aquele outdoor no caminho de Confins que diz “Bem-vindo a Belo Horizonte, cidade do único clube mineiro na Série A”.

Achei bem feito, para aprender a não ficar provocando o Coelhão.

FALANDO NO ESPORTE BRETÃO

As melhores séries que tenho visto funcionam no formato 6 episódios, 360 minutos: a duração de 3 filmes longos. Fiquei apaixonado por "The English Game", que conta não exatamente as origens do futebol, mas as origens do profissionalismo no futebol, que está ligado ao momento em que times operários começam a se apropriar do esporte dos gentlemen.

Com 6 episódios, dá tempo de personagens se desenvolverem, aqui Arthur Kinnaird, figura histórica da federação inglesa de futebol e primeiro gentleman que foi conferir como era a vida dos operários, e Fergus Suter, um escocês que começou a receber uns trocados para jogar porque ele sacou — a série exagera um pouco, claro — a noção de espaçamento no futebol, a simples ideia de que distribuir a galera pelo campo e fazer a bola correr dava mais certo que todo mundo correr atrás dela ao mesmo tempo.

Tem uma história de amor no meio, que é marromeno, mas a série é um retrato lindo do nascimento do primeiro time operário de sucesso, os Blackburn Rovers, que existem até hoje e chegaram a jogar a Premier League, e a ganhá-la recentemente, inclusive.

História bonitinha e breve para quem quiser passar umas horas distraindo-se do horror todo do mundo real.

ELES EM NÓS

Habemus ISBN, ficha catalográfica e tudo mais! Último passo do devir-livro.

Para efeitos de catalogação, infelizmente "lulismo" e "bolsonarismo" ainda não são categorias; eu poderia até ter proposto, mas era esforço e era Natal. Ficou assim mesmo, está bom o mapa para as bibliotecas e livrarias.

Estou feliz com o crédito em destaque à tradutora Cynthia Feitosa, sem cujo trabalho o livro não existiria. Os capítulos 2, 4, 5, 6, epílogo, introdução e glossário foram escritos enquanto ela traduzia o 1 e o 3 ao português. Cynthia é das pouquíssimas pessoas a quem eu toparia entregar um texto meu em inglês para tradução, e ela ter encarado a empreitada foi sine qua non para que o livro acontecesse.

Começando o ano, ou seja, depois do Carnaval, aparece aí na sua livraria real ou virtual mais próxima.

GRAU DE OTIMISMO

Meçamos vosso grau de otimismo para o ano que se inicia. Se tivesse que apostar dinheiro, ou seja, caso se trate de escolher o que acha mais provável, e não o que deseja, você diria que:

1. O minúsculo cai antes das eleições de 2022, por impeachment, por cassação ou qualquer outro método.

2. O minúsculo completa o mandato, chega às eleições de 2022, mas perde, seja para uma coalizão liberal-democrática, seja para uma coalizão de esquerda.

3. O minúsculo completa o mandato, candidata-se à reeleição e vence, seja no 1˚, seja no 2˚ turno.

Se tivesse que escolher o que acha que vai acontecer, não o que você quer que aconteça, seria 1, 2 ou 3? Vote, com argumento ou sem. Pode argumentar se quiser. Mas eu gostaria de ver os votos.

PROFECIA

A situação de Trump pode ser descrita com o conceito de profecia autorrealizada e a situação de seus ex aliados com a noção de ratos abandonando o Titanic.

Em relação a estes últimos, a notícia divertida do dia foi que o Deutsche Bank se juntou à lista de empresas que cortaram todos os laços com Trump. Quem é o Deutsche Bank? É o banco que aceitou financiar esse miserável nos anos 1990, quando, depois já de algumas falências, Trump não tinha crédito na praça. Aliás, ele ainda deve US$ 340 milhões ao banco.

Quanto a Trump, a ironia final da trajetória como Presidente é que ele passou a vida morrendo de medo/ terror/ nojo de ser "loser", sempre humilhando aqueles que ele conseguia caracterizar como perdedores. E, diga-se o que quiser dele, ele não era um "loser" até ser presidente. Não havia feito nada de muito interessante a não ser um programa de TV de sucesso, havia pedido falência algumas vezes, e havia causado dano ao seu redor, mas não era um perdedor. Era, no máximo, uma subcelebridade polêmica.

Foi no momento em que não suportou umas piadinhas de Obama e caiu presa da obsessão de ser Presidente que ele iniciou a espiral que o levaria a ficar conhecido como o maior perdedor da história da Casa Branca, um dos maiores perdedores de todos os tempos.

Perdeu a reeleição, o que pouca gente perde nos EUA, perdeu a recontagem, perdeu as ações judiciais, perdeu a conta de Twitter e a hospedagem dos campeonatos de golfe, e agora vai perdendo, um por um, os puxa-sacos que fingiam crer nele.

O cara passou a vida tão obcecado em humilhar perdedores que se converteu no maior deles. Eu nem imagino o quão fodida está a cabeça desse homem agora.

Leia outros artigos da coluna: Eles em Nós

Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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