23/04/2024 - Edição 540

Eles em Nós

República das Bananas

Publicado em 15/07/2020 12:00 - Idelber Avelar

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"Os brasileiros estão pagando para ele vir para cá e trabalhar para mim". Foi assim que o chefe do Comando Sul das Forças Armadas dos Estados Unidos, almirante Craig Faller, apresentou o trabalho do brigadeiro do ar David Almeida Alcoforado ao presidente Donald Trump." O vídeo é grotesco, humilhante, digno de República das Bananas.

ELES EM NÓS

Convite a aula pública sobre o "Eles em nós", livro concluído e no prelo com a Record. Segunda-feira, às 16h. É gratuita, mas o Labô da PUC-SP, que organiza o evento, pede inscrições por email, já que há um número limitado de vagas.

ANARQUISMO

Recomendo total! Você se interessa por anarquismo? O Prof. Saddi conhece muito do assunto. Inscrevendo-se, você pode escolher três valores modestos para ajudar a uma galera batalhadora que está precisando, os catadores. Vamos nessa ajudar a levantar uma grana e, no processo, aprender sobre anarquismo?

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BOMBARDEIO

Compatriotas, lembremos o fundamental para bombardear este governo: nenhum regime, na história da democracia, gerenciou um Ministério da Saúde com 25 militares no topo. Muito menos em pandemia! Ninguém, nunca, na história da democracia, fez isso!

Precisamos não perder memória de que esse fato é inaceitável e derrubar Jair.

MOURÃO

Mourão deu uma entrevista cretina na Globo News. Donald Trump ficou tagarelando merda, em pé, em frente à Casa Branca, fora do assunto, que foi anunciado que seria China/ Hong Kong, e que deveria ser o colapso sanitário no país, mas que não foi nenhuma das duas coisas. Foi tagarelice de porcaria sobre seu concorrente Biden, depois imigrantes, depois estátuas etc. Mentirada de boteco, por mais de uma hora. Em um verdadeiro delírio desesperado de um populista proibido de fazer comício. Em meio a uma pandemia.

Previsões de alguns epidemiólogos para os EUA: 220.000 mortes até 1˚ de novembro, pelo menos umas 40.000 delas evitáveis se se usassem as máscaras, coisa que o Presidente desestimula. No Brasil, Jair chega a dizer que máscara é “coisa de viado”.

Não dá para descrever o quão insólito é o espelhamento mútuo e o compartilhamento da desgraça entre Brasil e EUA. Ninguém, nem nós aqui, nem vocês aí, poderíamos imaginar que em 2020 os dois países compartilhariam a condição de párias proibidos de entrar na Europa, vivendo o pior colapso sanitário de suas histórias modernas, e com dois extremistas comandando os Executivos–um terroristazinho miliciano homofóbico e um misógino nativista e supremacista branco.

CULTURA LATINO AMERICANA

No segundo semestre de 2016, lecionei uma matéria bem básica da graduação, chamada "Introdução à Cultura Latino-Americana", o primeiro curso que os alunos fazem depois de completar o que chamamos aqui "the language sequence", ou seja, as aulas de idioma. É um curso para que aprendam o básico antes começar a ler literatura: noções elementares de história latino-americana, as especificidades políticas, a pluralidade religiosa, os vários ritmos musicais, enfim, um pouco de cada coisa.

No dia 27 de outubro daquele ano, em uma quinta-feira, quatro dias antes de eu completar 48 anos de idade, dei uma aula sobre o caráter socialmente situado, relativo de alguns medidores sociais supostamente universais, como os US$ 2 por dia usados pelo Banco Mundial para estabelecer a linha da pobreza. Dei como exemplo famílias e comunidades de Belo Monte, que antes estavam abaixo da linha da pobreza, mas plantavam, pescavam e se locomoviam pelo rio. Agora, acima da linha da pobreza na periferia de Altamira, vivem muito pior, sem comida boa, sem comunidade, sem rio, sem ar puro e às vezes até sem janela. Os alunos dos EUA sempre ficam bastante surpresos com isso, porque não estão acostumados a pensar que alguém pode viver melhor com menos dinheiro.

Ao final da aula, a aluna mais interessante do grupo — a mais vivaz, a que mais comumente pensava fora da caixinha — veio me dizer "Professor, o entusiasmo que você põe nessa aula faz toda a diferença, estou adorando". É muito raro que alunos desse nível nos EUA parem para elogiar uma aula. Isso costuma acontecer quando já estão se especializando. Enfim, ouvi o elogio, agradeci e segui em frente.

Como meu aniversário caiu em uma segunda naquele ano, deixamos a comemoração para o dia 1˚, já que na terça todos nós damos aula, e poderíamos sair para biritar. Fui trabalhar, encontrei-me com a mesma turma, não vi aquela aluna na sala e, à noite, depois de curtir a namorada e falar com os filhos, fui biritar com os amigos. Só no dia seguinte abri o email. Havia uma mensagem da administração da universidade dirigida a mim e a quatro outros professores, dizendo: "Os srs. e sras. foram identificados como professores de E. B. este semestre. É com grande pesar que lhes comunicamos que ela foi encontrada morta, com indícios de suicídio, em seu quarto no dormitório da universidade".

Os indíces de suicídio na comunidade acadêmica dos EUA são alarmantes, mas só em 2016 aconteceu tão perto de mim. Desde então, intensifiquei a pergunta sobre o que é uma vida que vale a pena ser vivida. O que é o suicídio de uma garota de 20 anos de idade, branca, heterossexual, privilegiada, visivelmente rodeada de amigos, estudando o que quer em uma das melhores universidades do país? Como é possível que estejamos construindo vidas tão invivíveis?

No dia seguinte, descobri que ela havia se trancado no quarto na quinta-feira à tarde. É bem possível que o comentário sobre a aula tenha sido a última coisa que ela disse ao vivo a outro ser humano. É uma sensação bem estranha. Em todo caso, está confirmado que a última aula que ela teve na vida, ironicamente, foi sobre famílias do Pará que estão, com mais dinheiro, vivendo vidas bem menos vivíveis.

Vamos construir vidas mais vivíveis.

CHIQUE

Se você quiser andar chique nesta pandemia e descrever perfeitamente o presidente do país mais poderoso e, ao mesmo tempo, mais infectado do mundo, você pode aprender a mais alemã das palavras, o vocábulo freudiano por excelência: VERNEINUNG (não se esqueça de pronunciar o V como F e soltar um AI bem forte no meio; o U é U mesmo). Trata-se da famosa denegação, em português, ou denial, em inglês. É aquela experiência sempre bizarra de se presenciar. Todo mundo conhece alguém que vive em denegação. Khedira está lá, tabelando na sua área, e a pessoa está dizendo: “não, o jogo está 5 x 0 pra nós”. Não é impressionante quando acontece?

Vocês, que são os leitores mais eruditos que há, poderão depois conferir quantas vezes Donald Trump disse “o vírus vai desaparecer, it's just gonna go away, BUM”.

O clima que se instala é terrível, porque o enunciado é literalmente a fantasia de uma criança de 7 anos de idade batendo o pezinho e dizendo que a realidade não é a realidade. Mas é uma criança com controle do maior arsenal bélico e da economia mais rica, bem no meio de uma pandemia da qual o país é o epicentro—sem precisar ter sido, porque o vírus se originou do outro lado do planeta.

A guerra agora é contra as escolas de ensino fundamental e médio, que Trump quer obrigar a reabrir presencialmente em um mês, colocando sua Ministra da Educação (uma lobista do bloco teocrata) para insultar profissionais da educação, enquanto ele ameaça cancelar o financiamento das escolas que não voltarem com aulas PRESENCIAIS. E dá-lhe o velho “as crianças não podem perder o ano”, quando na verdade Trump está preocupado é em livrar-se das crianças para que os adultos possam sair e “movimentar a economia”.

Vai dar merda, claro. Os cientistas estão avisando que vai dar merda, mas no momento temos uma criança em denegação no comando.

Imaginem: não estamos falando de universidades privilegiadas como a minha, com campi amplos, que seriam suficientes mesmo se quiséssemos voltar 100% presencialmente (voltaremos com a maioria das aulas online). Estamos falando de escolas para crianças no país todo, incluindo, por exemplo, a cidade de Houston, em que surgem 1.000 casos novos de coronavírus a cada DIA, em bairros com enorme densidade humana. Que são justamente os mais pobres, claro. Ou seja, os que mais precisam do financiamento que Trump ameaça cancelar se eles não voltarem com aulas presenciais. Terror total.

Los Angeles, San Diego e Atlanta já resolveram ir à luta e declararam que vão voltar com aulas apenas online. O Texas e a Flórida são hoje os epicentros do vírus. A Flórida sempre foi um estado pêndulo, decisivo nas eleições. O Texas é um estado tradicionalmente Republicano, mas ultimamente os Democratas têm crescido lá, e não é impossível que ele vire em 2020. Se virar, babau, Trump perdeu.

São essas situações que sempre lhe acionam a Verneinung, a psicologia de Trump é a mais rasa que há. Ele simplesmente não consegue se colocar nesse lugar do “loser”, então tem que inventar que o jogo está 5 x 0 para ele.

Neste caso, essa invenção, obviamente, assassina pessoas em número cada vez maior. Não se pode naturalizar o pesadelo que estamos vivendo.

PITI

Detesto o gênero "piti de gente privilegiada", mas só queria que este post ficasse como open thread, para todo mundo que quiser usá-lo para contar porradas da vida. Levei várias hoje. Nenhuma me atinge diretamente, mas todas foram foda.

Acordei com informes brutais de mortalidade entre os parentes indígenas, incluindo situação desesperadora entre parentes especiais para mim, os Guarani da região de Dourados.

Depois, falhei com uns parentes ao não comparecer a um sepultamento virtual – família, não próximo total, mas gente amada de amados.

Depois, falhei de novo, porque tinha prometido a parentes do Brasil Profundo uma detonada ao absurdo pedido do MPF-MG (Uberlândia – Ituiutaba) a que o judiciário obrigue os hospitais a tratar os pacientes de Covid com cloroquina.

E não consegui fazer; estava detonado porque … um companheiro muito ponta firme do Black Lives Matter sofreu uma agressão bem pesada.

Aí, enquanto eu fazia um post sobre Sepultura e o Dia do Rock, morreu um mano velho, ponta firme do metal.

Olha … Podem contar as histórias porque … Tá foda, viu.

LA TARDECITA

Creio ser "La tardecita", publicada no livro Lugar (2000), um dos melhores textos breves de Juan José Saer para se entender ou, melhor dito, viver e experienciar o que seria a respiração da frase saeriana–autor nenhum que eu conheça, em qualquer das línguas que eu leia, produz frases que respiram como as de Saer.

Segue abaixo leitura minha do conto, totalizando nove páginas e vinte minutos, com apenas, creio eu, dois erros de respiração.

É só a história de um cara que abre um livro, vê "irmão maior e irmão menor" e lembra-se de que 40 anos antes ele foi o "irmão menor" enquanto voltavam ao povoado no entardecer. Puro Saer.

Como sou bonzinho com vocês, ofereço também o link com o texto do conto. É só seguir o castelhano bem (lexical e morfologicamente) estándar de Saer, serpenteando como o Rio Paraná, que você vive a coisa. O verbo é "viver" mesmo; pensando bem, não há nada que "entender".

Texto: http://www.barcelonareview.com/30/s_jjs.htm

BOM TEXTO

Que texto contundente de Michel Gherman e Ronaldo de Almeida publicado agora em

O Estado Da Arte

! Recomendo com ênfase.

Trecho:

"Bolsonaro funciona como um genocida. O veto recentemente dado pelo governo a leis que exigiam que o Estado disponibilizasse água potável para populações indígenas deixa isso claro. Lutar contra a morte é uma intervenção pouco desejada para Bolsonaro e há populações claramente prioritárias da sua política de genocídio.

[…]

A tentativa de omissão de óbitos do coronavírus pelo general e ministro da saúde revela uma prática histórica dos genocídios. Em relação à pandemia não existe a tal “ala militar” como algo com relativa independência do seu superior, o presidente da República. Militares do Exército Brasileiro tem atuado politicamente ao serem cúmplices na produção em grande escala de um remédio cientificamente definido como ineficaz (a hidroxicloroquina), e os médicos infectologistas são tratados como produtores de pânico coletivo. Repleto de militares na organização e planejamento das ações, o Ministério da Saúde foi ocupado por quem é treinado prioritariamente para produzir mortes. Contradição simbólica maior é difícil de encontrar."

Aqui

COLÓQUIO

Aí vai, para vocês, um colóquio de introdução à obra de Juan José Saer. O único que vocês têm que fazer é ouvir o espanhol com boa vontade — não tem legenda, claro.

Somos eu, o Prof. Carlos Abreu Mendoza, de literatura latino-americana no Texas, e a verdadeira especialista em Saer, Profa. Florencia Abbate, de Buenos Aires, pesquisadora do CONICET que conheceu Saer, entrevistou-o e dedicou sua pesquisa a ele, além de ser autora de uma obra narrativa muito marcada pelo santafecino.

Foi um papo pra nós muito prazeroso, espero que curtam.

Leia outros artigos da coluna: Eles em Nós

Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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