29/03/2024 - Edição 540

Eles em Nós

De fakes, mentiras e falsidades

Publicado em 08/07/2020 12:00 - Idelber Avelar

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Há dois temas interrelacionados em pauta.

O primeiro é a derrubada de 73 bolsocontas no Facebook. A julgar por reações na minha TL e pela atenção dada ao tema pela Folha de SP, o acontecimento deve derrubar também o governo de Bolsonaro, trazer saneamento básico aos 50% do Brasil que não o têm e, quem sabe, até o sonhado Bi Nacional do Galo.

Como suponho que esteja claro, a minha resposta às perguntas “você apoia?”, "você comemora?", "você critica que comemorem?" e “você acha que o FB tem 'direito' de fazer isso?” é … I don't fucking care, cara. Dá na mesma. Não me importa porque não vejo muito caldo nesse tema.

Não comemoro, não porque eu esteja “defendendo” a “liberdade de expressão” das bolsocontas, não comemoro porque sou um pragmático agnóstico com essas coisas. Se aquelas bolsocontas forem a expressão de algo real na sociedade, elas vão pipocar em outros lugares ou vão voltar aqui mesmo, de outra forma. Isso é Freud básico. Ou Marx básico. Ou física básica, inclusive.

Se elas estiverem sendo derrubadas só agora, como suponho eu, porque só agora estão dadas as condições políticas para que o FB as derrube, então são essas condições políticas que têm que ser acompanhadas. O Direito é um discurso noturno, ele é como a zaga do Botafogo—em algum momento decisivo, ele vai chegar atrasado. Hegel se cansou de ensinar isso.

E é por isso que, sobre o segundo tema, vou fazer o que sempre digo que não se deve fazer, que é palpitar sem ter lido. Tenho zero interesse em qual será a redação final da lei das fake news, ou se ela vai passar ou não, porque já vivi no Brasil o suficiente e sobre ele já li o suficiente para saber que é muito pouco provável que qualquer legislação brasileira de regulação do que seja na internet aberta vá ter, POR SI, qualquer impacto na realidade efetivamente vivida pelas pessoas, nas redes e fora delas.

O mais provável é que seja mais uma legislação para ser usada segundo a conveniência política—e são essas, portanto, as que devem ser acompanhadas com atenção. Inclusive, para quem não sabe ainda, agora, às 11h20 de Brasília, saiu a notícia de que o Whatsapp já derrubou uma meia dúzia de contas do PT também, por disparos em massa. Ou seja, política.

Esses são meus dois centavos sobre estes temas, que para mim são um só: o caráter essencialmente inócuo e barrichelliano das regulações do movimento real das redes, sejam essas regulações privadas (decisões do FB) ou públicas (decisões do parlamento).

Mas, como sempre, estou aberto a que me demonstrem que estou errado.

DE TANTO FAKE, CAIU

US$ 500 bilhões vezes 5 (vamos botar o dólar a R$5 para facilitar) dá R$ 2,5 trilhões. O PIB brasileiro em 2019 foi R$ 7,3 trilhões. O Palácio do Planalto caiu em um golpe de email–daqueles do nigeriano, que a gente recebe todo dia–que prometia que o Minúsculo iria receber, "de fundações americanas", o equivalente a 1/3 do PIB brasileiro em uma transferência bancária filantrópica.

É isso mesmo que você leu.

 

JAIR MENTE SOBRE TUDO

Pode ser o resultado do teste, mas também pode ser só sobre o dia em que soube.

Faz quatro meses da viagem do Minúsculo aos EUA. 22 dos 23 que o acompanharam testaram positivo. Faz sentido que Jair seja positivo há tempos e tenha escondido a infecção e esperado a janela, por motivos diplomáticos, para não causar problema a Trump, e agora esteja dizendo por aí que testou positivo e que tomou cloroquina e tá bom.

Fica bem com todo mundo e não causa problema ao guru Trump. Note-se que Jair começa a sair e aglomerar gente bem depois de 15 dias de retornado dos EUA. E parece sair às ruas com convicção de que não vai contaminar ninguém. Não pode ter sido por que ele já sabia que estava positivo fazia mais de 15 dias?

Não creio que o Minúsculo esteja mentindo sobre o teste positivo. Creio que está mentindo sobre QUANDO soube que estava positivo. É o meu palpite.

MEU PRESIDENTE

Noronha, Presidente do STJ, vai fazer o que Jair quiser, como barganha para seu projeto de criação de um desnecessário TRF-6. Isso é sabido, acostumem-se.

GENTE DE RAIZ

Dois bolsonaristas de raiz acabam de deixar seus cargos como vice-líderes do governo na Câmara.

O primeiro: Ottoni de Paula do PSC-RJ. Anunciou sua saída "para poupar o presidente". Ele havia gravado um vídeo com ataques ao STF.

O outro a sair, Daniel Silveira, do PSL-RJ, anunciou que deixa o cargo a mando do general Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo. Segundo o deputado, para dar espaço a algum parlamentar do Centrão.

Centrão e militares comendo pelas beiradas e ocupando espaço; ou seja, hoje é dia de olavistas dando piti na internet, no eterno vaivém deste intolerável governo.

O NOVO FASCISMO BRASILEIRO

Conheçam, Sras. e Srs., o nosso Labô. "Bolsonarismo: o novo fascismo brasileiro" é um projeto capitaneado pelo querido Eduardo Wolf, no contexto do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP — Labô, com assistência acadêmica luxuosa da Dra. Andrea Kogan.

O projeto conta com gente fera: Adriana Novaes, Rodrigo Cássio Oliveira e grande elenco. Estou orgulhoso de fazer parte e nosso arquivo já é caudaloso. Se você ainda não leu o meu "A rebelião do eles", o ensaio está republicado lá com outras imagens. Se ainda não viu os vídeos do Rodrigo sobre bolsonarismo e kitsch, eles estão lá também.

Boa navegação.

PELO ZAPISTÃO

Passei três horas no zapistão bolsonarista (enquanto fazia outras coisas, claro). Logo que ouvi Jair contar sua lorota, tirei um chip do interior de Goiás que ainda tinha, tasquei no meu telefone brasileiro, liguei no wi-fi da casa, acionei os contatos, fui entrando nos grupos.

Bolsonarada ouriçada. Os grupos que tinham 12, 15 pessoas atuantes passaram a ter 25, 30. Os grandões ficaram maiores ainda. Muita "corrente de orações pelo Presidente", muita fake news com cloroquina, muito meme religioso, muito xingamento à Globo. Na saída, já com dor de cabeça, trombo com um … terraplanista!

Não sei se vocês sabem, mas se não sabem lhes conto agora. De todo esse esgoto digital que o bolsonarismo mobilizou no zap, os terraplanistas são os que se comportam como Testemunhas de Jeová. Sempre proselitistas, querendo converter. Os monarquistas são bem mais de boa. Um terraplanista passa o dia inteiro organizando aquela montanha de leituras, tutoriais, PowerPoints, vídeos de YouTube e memes sobre o “mistério” disso ou daquilo.

É toda uma existência dedicada a acariciar e organizar um hoax e tentar convencer pessoas de sua veracidade ou pelo menos possibilidade. Era um cara com ensino médio completo! Isso no Brasil não é pouco e, no interior de Goiás, é mais ainda.

Vocês são testemunhas de que, na bibliografia, eu sou a pessoa que fica insistindo que não se pode estereotipar 57 milhões como fascistas ou burras. Mas, indiscutivelmente, tem uma galera que pirou legal. Pirou profundo mesmo, sem volta. O terraplanismo é invenção gringa, claro, mas na eleição de Trump eles não cumprem papel nenhum. Os supremacistas brancos, sim. Os terraplanistas, não.

Mas, no Brasil, no zapistão bolsonarado, você não transita em meia dúzia de grupos sem trombar com hordas de zumbis que dedicam a vida a estudar a “ideia” de que a Terra tem a forma de uma pizza e “estabelecer uma discussão” sobre o tema.

Eu sei lá o que vai ser desse país. Mas não está com cara boa, não.

AULA

Como circulei este link enquanto Andrade estava no Roda Viva, e como as redes sociais brasileiras não fazem nada quando está rolando o Roda Viva, vou fazer a segunda chamada, tá?

Aula pública, Universidade Federal do Oeste da Bahia, o tema de sempre: como eu posso, como profissional da análise do discurso, ajudar a explicar a catástrofe que nos aconteceu, a nós, brasileiros.

Taí o vídeo para quando vocês tiverem insônia. São três horas, uma de palestra e mais duas respondendo a um bombardeio de perguntas muito boas.

Beijo a todo mundo que assistiu em Barreiras e nas imediações de Barreiras, Oeste da Bahia, Brasil Profundo.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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