20/04/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Uma caixinha de surpresas

Publicado em 17/06/2020 12:00 - Victor Barone

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A acreditar-se no que já disse Jair Bolsonaro e também o seu porta-voz oficial, o general Otávio Rêgo Barros, Frederick Wassef era, sim, advogado do presidente da República pelo menos no caso da facada que Adélio Bispo lhe aplicou em Juiz de Fora.

A acreditar-se em Wassef, ele atuava em quase tudo que interessava à família Bolsonaro. A acreditar-se no que a televisão mostrou, Wassef era um assíduo frequentador do Palácio da Alvorada e de cerimônias no Palácio do Planalto. Anteontem, esteve lá.

E então? Depois de um dia de intermináveis reuniões com seus ministros mais próximos, tudo o que Bolsonaro conseguiu produzir foi a versão rejeitada pela imprensa de que Wassef não era advogado dele, no máximo do senador Flávio, vulgo Zero Um.

Mais uma fake news, com certeza. A situação estava sob controle, embora não se soubesse por quem, até que a Polícia Civil de São Paulo arrombou as portas da casa de Wassef, em Atibaia, no interior do Estado, encontrou Queiroz dormindo e prendeu-o.

Acabou com isso a farra nas redes sociais de se perguntar onde estava Queiroz. Começou outra: “Onde está Wassef?” – que também tem casa em Brasília, mas que desapareceu. Queiroz foi descoberto na pior hora possível para Bolsonaro.

Afinal, o presidente parece ter-se dado conta da gravidade do cerco judicial. De um lado, o Supremo que investiga a rede de fake news e o financiamento de manifestações de rua. Do outro, a Justiça comum que investiga as ligações da família com o crime.

Porque é isso o que persegue o Ministério Público do Rio, muito além, portanto, do esquema da rachadinha ao tempo em que Flávio era deputado. Sim, Queiroz pagava contas pessoais de Flávio com dinheiro devolvido por funcionários do seu gabinete.

Sim, parte do dinheiro foi usada por Flávio na compra de imóveis e na abertura de lojas. Mas Queiroz servia também de ponte entre a família Bolsonaro e as milícias do Rio. E era sócio do miliciano Adriano da Nóbrega, morto recentemente na Bahia.

Estranha a morte de Adriano. Na casa onde estava escondido e fortemente armado não há vestígios do intenso tiroteio que teria havido entre ele e os policiais, alguns deles de elite. Morreu com dois tiros certeiros disparados a curta distância.

A mulher de Adriano e uma de suas filhas foram empregadas de Flávio no seu gabinete. Flávio o condecorou com a mais alta honraria da Assembleia Legislativa do Rio. Queiroz, o faz tudo de Flávio, recebeu mais de R$ 400 mil de Adriano.

Por qual razão Bolsonaro e seus conselheiros dão tratos à bola para encontrar a melhor maneira de se livrarem do juiz que autorizou a prisão de Queiroz e que está à frente do processo? Bolsonaro não voltou a repetir que nada tem a ver com tudo isso, nem Flávio?

Por que Flávio já impetrou quase duas dezenas de ações na Justiça na tentativa de barrar o avanço das investigações? Isso não é comportamento de quem se acha inocente. É comportamento de quem teme ser condenado pelo que fez.

Os Bolsonaro estrebucham na maca. A reação nas redes sociais dos seus devotos foi de silêncio diante da prisão de Queiroz. Carlos, vulgo Zero Dois, deve ter-se reunido com o gabinete do ódio para providenciar com urgência uma narrativa sobre o que acontece.

Desde já é bom pensar sobre o que dirá se Queiroz ceder à tentação de negociar uma delação premiada. A mulher dele, foragida, pode ser presa a qualquer momento. Ou entregar-se para ser presa. Uma filha de Queiroz pode ser chamada a depor.

A história da Operação Lava Jato ensina que a maioria dos passarinhos, engaiolada por certo tempo, acaba cantando. E canta bonito. Com a família metida na confusão, o canto não costuma demorar. Os Bolsonaro tudo farão por Queiroz livre.

Por Ricardo Noblat

A CORDA ESTICADA

O Supremo Tribunal Federal (STF) advertiu que não tolerará mais intimidação por parte do bolsonarismo, originada seja das infectas redes sociais, seja dos movimentos de camisas pardas travestidos de patriotas, seja do primeiríssimo escalão do Executivo.

Ao reagir ao disparo de fogos de artifício contra o prédio do Supremo, feito por bolsonaristas no sábado, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, ordenou a responsabilização dos delinquentes, citando uma “eventual organização criminosa”. O resultado da reação do Supremo não tardou, e alguns celerados já foram presos. Se o bolsonarismo estava testando os limites das instituições democráticas, sabe agora que o preço de tanta desfaçatez é a cadeia. É bom, portanto, que os que inspiram esse comportamento delinquente dos camisas pardas saibam que chegará o dia em que terão de responder por isso. Não à toa, o ministro Dias Toffoli, em nota, disse que as atitudes dos bolsonaristas, “financiadas ilegalmente”, têm sido “reiteradas e estimuladas por uma minoria da população e por integrantes do próprio Estado”.

O presidente do Supremo acrescentou que a Corte “se socorrerá de todos os remédios, constitucional e legalmente postos, para sua defesa, de seus ministros e da democracia brasileira”. Isso já está acontecendo: correm no Judiciário investigações sobre inúmeras suspeitas que recaem sobre os liberticidas que chegaram ao poder em 2018, desde o financiamento ilegal de campanha até a organização de uma máquina de destruição de reputações na internet. Perto do que já se sabe a respeito disso, o disparo de fogos de artifício contra o Supremo é traque.

Ante essa pressão, não parece ter sido casual que na sexta-feira o presidente Jair Bolsonaro tenha emitido nota para “lembrar à Nação brasileira que as Forças Armadas estão sob a autoridade suprema do presidente da República” e que essas Forças “não aceitam tentativas de tomada de Poder por um outro Poder da República, ao arrepio das leis ou por conta de julgamentos políticos”. Trata-se de uma ameaça explícita do presidente de recorrer às Forças Armadas caso algum dos processos que correm contra ele afinal o tire da Presidência. A nota é assinada ainda pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, e pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo – e ambos se fizeram reconhecer no texto como generais, embora sejam da reserva. Ou seja, há aí a pretensão de indicar uma unidade militar em torno do presidente e de intimidar quem ousa contrariá-lo.

O mesmo fez o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. À revista Veja, o general disse que é “ultrajante” a ideia de que os militares pensem em golpe, mas “o outro lado tem de entender também o seguinte: não estica a corda”. O “outro lado” a que se refere o ministro são as instituições, sobretudo o Judiciário – que, na visão do general, estará “esticando a corda” e provocando uma reação militar se entender que houve irregularidade na campanha de Bolsonaro e cassar a chapa. Para o ministro, qualquer resultado que não seja a absolvição do presidente será “casuístico” – logo, inaceitável.

Trata-se de golpismo escancarado. Ora, quem “estica a corda”, dia e noite, é o presidente da República. Na quinta-feira, dia 11, Bolsonaro incitou seus seguidores a invadir hospitais para verificar “se os leitos estão ocupados ou não”, pois, segundo o presidente, “tem um ganho político dos caras”, referindo-se aos governadores, a quem acusa de aumentar o número de mortos pela pandemia de covid-19 para responsabilizá-lo.

É um atentado de múltiplas dimensões. Além de estimular a invasão de hospitais e de colocar em risco a vida dos invasores e dos internados, o presidente, sem nenhuma prova, acusa médicos de forjarem atestados de óbito e governadores de inventarem mortos. Ora, se o presidente estivesse mesmo interessado em saber o que se passa nos hospitais, bastaria acionar seu Ministério da Saúde, que existe para isso, e não atiçar seus seguidores a atuarem como polícia política. “Invadir hospitais é crime – estimular também”, disse o ministro do STF Gilmar Mendes, lembrando o óbvio.

Como salientou outro ministro do STF, Luís Roberto Barroso, é preciso indicar claramente que “há diferença entre militância e bandidagem”. E lugar de bandido, seja ele quem for, é na cadeia.

Por Estadão (Editorial)

MAIS AVISOS

Impressiona a quantidade de vezes que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tiveram que explicar ao presidente Jair Bolsonaro aspectos básicos da Constituição – aquela mesma que ele jurou respeitar ao tomar posse, mas que, dia e noite, trata de desvirtuar.

Na hipótese de que seja apenas ignorância, é espantoso que um político que passou três décadas no Congresso e hoje é a autoridade executiva máxima da República demonstre desconhecimento tão profundo do texto constitucional.

O presidente, por exemplo, já declarou que “qualquer dos Poderes” pode “pedir às Forças Armadas que intervenham para restabelecer a ordem no Brasil”. Fazia referência ao artigo 142 da Constituição, que, na exótica interpretação de Bolsonaro, lhe permitiria convocar as Forças Armadas para intervir em crises e também para atuar como uma espécie de “Poder Moderador” quando há conflito entre Poderes.

O presidente repetiu em diversas ocasiões essa interpretação mesmo tendo sido alertado por especialistas e magistrados de que se tratava de uma leitura estapafúrdia da Constituição. Isso enseja uma outra hipótese: a de que Bolsonaro sabe muito bem o que está fazendo, ou seja, trata de confundir a opinião pública e, em meio a um “debate” constitucional sem sentido, dar verniz de legitimidade a seus propósitos autoritários. Ao mesmo tempo, tenta enredar as Forças Armadas em seu projeto de poder, com o objetivo óbvio de intimidar os opositores.

É por esse motivo que são tão importantes manifestações cristalinas como a do presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, a propósito da absurda interpretação bolsonarista sobre o papel das Forças Armadas. “As Forças Armadas sabem muito bem que o artigo 142 não lhes dá (qualidade) de Poder Moderador. Tenho certeza de que as Forças Armadas são instituições de Estado que servem ao povo brasileiro, não são instituições de governo”, disse o ministro Toffoli.

Sendo o Supremo o intérprete final da Constituição, pode-se dizer que o caso está encerrado, mas tudo indica que Bolsonaro insistirá em sua exegese ardilosa do artigo 142. Afinal, seu objetivo é fazer suas mentiras se transformarem em verdades apenas pelo mecanismo da repetição incessante, a despeito – e muitas vezes à revelia – da realidade.

O presidente usa essa estratégia tipicamente totalitária ao insistir também que “o Supremo Tribunal Federal decidiu que governadores e prefeitos é que são responsáveis por essa política (de impor a quarentena contra a pandemia de covid-19), inclusive isolamento”, razão pela qual ele diz que não pode ser responsabilizado nem pelas mortes nem pela crise. “Não queiram colocar no meu colo”, disse Bolsonaro, numa frase que já se tornou padrão em um governo que não assume responsabilidade por nada.

Parece inútil explicar ao presidente, como já se fez diversas vezes, que em nenhum momento o Supremo atribuiu a Estados e municípios competência exclusiva para lidar com a pandemia. O STF, ao contrário, decidiu que União, Estados e municípios têm “competência concorrente” – isto é, todos os entes da Federação têm de agir para enfrentar a crise, em seus diversos aspectos, “preservada a atribuição de cada esfera de governo”.

O que Bolsonaro queria, na verdade, era ter poder para ordenar a Estados e municípios que ignorassem a pandemia e mantivessem a economia em funcionamento, atropelando não apenas as recomendações sanitárias, mas principalmente o princípio federativo gravado na Constituição. Como teve seu intento autoritário mais uma vez frustrado pelo Supremo, tratou de investir na versão fantasiosa segundo a qual é o Judiciário que o impede de tomar as medidas necessárias para o que o País “volte à normalidade”.

No devaneio ditatorial que os camisas pardas bolsonaristas acalentam, não há verdade senão aquela “revelada” por seu líder. Não à toa, já houve até um ministro de Bolsonaro que demandou a prisão de ministros do Supremo, já que estes ousaram contestar a “verdade” do chefe confrontando-a com a Constituição. Assim, na sua busca por um inimigo objetivo, que todo movimento totalitário requer, o bolsonarismo já encontrou o seu: é a própria Constituição, que reflete não a vontade de seu líder, mas o esforço coletivo de construção de um regime genuinamente democrático.

Por Estadão (Editorial)

O ministro Celso de Mello, do STF, fez uma dura manifestação ao dizer que é ” inconcebível e surpreendente” que exista “na intimidade do aparelho de Estado, um inaceitável resíduo autoritário que insiste, de modo atrevido, em dizer que poderá desrespeitar o cumprimento de ordens judiciais”. A declaração do decano foi feita na sessão de julgamentos da Segunda Turma, depois que a ministra Cármen Lúcia se pronunciou. “Esse discurso jamais será de um estadista, pois estadistas respeitam a ordem democrática e submetem-se, incondicionalmente, ao império da Constituição e das leis da República!!! É essencial relembrar as lições da história cuja advertência é implacável!, afirmou o ministro.

Celso lembrou o que dizia o ministro Aliomar Baleeiro – “enquanto houver cidadãos dispostos a submeter-se ao arbítrio, sempre haverá vocação de ditadores” – e disse que é “preciso resistir com as armas legítimas da Constituição e das leis da República e reconhecer, na independência e na firmeza de atuação da Suprema Corte”. “Sem juízes independentes, Senhora Presidente e Senhores Ministros, jamais haverá cidadãos livres!!!!”, finalizou.

No início da sessão, Cármen Lúcia, que é a presidente da Turma, manifestou “preocupação com o cenário que se está buscando construir no palco das relações sócio-políticas no país”. “Somos nós, juízes constitucionais, a quem incumbe o dever de, em última instância judicial, não deixar que o Estado Democrático de Direito se perca, porque todos perderão. Atentados contra instituição, contra juízes e contra cidadãos que pensam diferente volta-se contra todos, contra o país. A nós cabe manter a tranquilidade, mas principalmente a coragem, a dignidade, de continuar a honrar a Constituição Federal, cumprindo a obrigação que nos é expressamente imposta de guardá-la”, afirmou a ministra.

ATOS ANTIDEMOCRÁTICOS

O inquérito da Procuradoria Geral da República (PGR) sobre os atos contra a democracia brasileira andou A Polícia Federal cumpriu 21 mandados de busca e apreensão em cinco estados e no Distrito Federal. Dentre os alvos, alguns bolsonaristas mais conhecidos do público e outros nem tanto, embora importantes. Na primeira categoria estão o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), aquele que quebrou a placa em homenagem à Marielle Franco, e o blogueiro Allan dos Santos, do Terça Livre. Na segunda, estão Luís Felipe Belmonte, tido como principal operador político do partido que Jair Bolsonaro quer criar para si, o Aliança pelo Brasil, e o seu marqueteiro político, Sérgio Lima. Os investigados também tiveram seus sigilos bancários quebrados. 

A PGR persegue a linha de investigação segundo a qual essas figuras teriam agido de maneira articulada com agentes públicos (no plural) com foro privilegiado para financiar e promover os atos antidemocráticos. 

Ao longo do dia, veio à luz que o ministro Alexandre de Moraes, que também é o relator desse inquérito no STF, pediu no dia 27 a quebra de sigilo bancário de dez deputados federais e um senador (Arolde de Oliveira, do PSC do Rio). Além do próprio Daniel Silveira, estão na lista gente como Carla Zambelli (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF). 

Além disso, Moraes determinou que Facebook, Instagram e YouTube forneçam dados sobre pagamentos feitos às páginas e perfis mantidos por alguns dos investigados. “A medida é relevante para saber se os blogueiros e militantes bolsonaristas estão sendo remunerados por meio de publicações contrárias às instituições democráticas, o que pode tornar o crime mais grave”, explicam Aguirre Talento e Bela Megale no Globo. Na lista, que varia de rede para rede, estão o Terça Livre, Sara Winter e Folha Política, por exemplo. 

“As investigações sobre o núcleo radical do bolsonarismo chegaram ao pé da rampa do Palácio do Planalto”, avalia Bruno Boghossian, para quem a operação de ontem “se aproximou ainda mais de deputados e empresários que fazem a ponte entre os manifestantes e o núcleo de poder do presidente”. 

Jair Bolsonaro só deu declarações tarde da noite. O presidente afirmou, via redes sociais, que não pode “assistir calado enquanto direitos são violados e ideias são perseguidas”. Prometeu tomar “todas as medidas legais possíveis para proteger a Constituição e a liberdade dos brasileiros” – o que, nesse contexto de artigo 142, sempre deixa muitas dúvidas. Também disse que o governo recebeu a operação, caracterizada como ‘abuso’, com a “cautela de sempre”. Caracterizou os inquéritos que cercam o bolsonarismo, sem mencioná-los, como “ataques concretos”.

 O vice, Hamilton Mourão, se pronunciou mais cedo sobre a operação. “Eu acho que é meio exagerado isso aí. Eu acho que considerar que essa meia dúzia de gente que estava aí na rua como uma ameaça é a mesma coisa que a gente considerar aquela turma que aparece com bandeira de foice e martelo como ameaça“, comparou o incomparável. 

Aliás, ao se referir ao ataque ao prédio do Supremo, Daniel Silveira afirmou que se tratava de um foguetório no âmbito de um “culto religioso”. E a pessoa que aparece no vídeo ameaçando os ministros, o Renan Sena da nota anterior, foi categorizado como “garoto que se destacou”. 

O ministro Luiz Fux respondeu a um pedido do PDT. Diante de tantas manifestações sobre o artigo 142 da Constituição, o partido pediu esclarecimentos sobre se as Forças Armadas teriam qualquer “papel moderador” entre os poderes, como bolsonaristas e o próprio presidente vêm advogando. Fux disse que não – e que, além de tudo, o poder Executivo, que chefia as Forças hierarquicamente, o faz de maneira a não se sobrepor em autoridade aos demais poderes. Ou seja, nada de autogolpe. 

De sua parte, o ministro do Tribunal Superior Eleitoral Og Fernandes, que é o relator dos processos contra a chapa Bolsonaro-Mourão, anunciou que vai incorporar provas colhidas no inquérito das fake news que tramita no Supremo sob a relatoria de Alexandre de Moraes.

Pois o Planalto respondeu na própria sexta com uma nota conjunta assinada por Jair Bolsonaro, Hamilton Mourão e pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo. Oferecendo sua própria interpretação da Constituição – e, portanto, invadindo uma competência que é apenas do Supremo –, eles afirmam que as Forças Armadas estão “sob a autoridade suprema” do Presidente da República; destinam-se à garantia dos poderes constitucionais “e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”; mas não cumprem “ordens absurdas” como, por exemplo, “a tomada de Poder”. “Também não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos“.

A nota, obviamente, preocupa. Ouvidos pela Folha, integrantes do Supremo e do Tribunal Superior Eleitoral veem relação da intimidação ao Judiciário promovida pelo documento como indicativo de que não se respeitará decisão que prejudique a chapa Bolsonaro-Mourão nas ações que estão no TSE. É também a opinião de fontes do Judiciário e do Legislativo consultadas pelo Estadão, principalmente quando a nota fala que as Forças Armadas “não aceitam julgamentos políticos”. Militares de alta patente da ativa, também ouvidos pela Folha, se dividem: uns consideram que o Judiciário tem exagerado, outros que o tom da nota foi equivocado. “Em grupos de WhatsApp de oficiais, a crítica mais comum era a de que as Forças foram colocadas como uma extensão do bolsonarismo militante, que tem no confronto com Poderes uma de suas características”, apurou Igor Gielow.

Também repercutiu entre o oficialato a entrevista do ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, à revista Veja. Disse que é “ultrajante e ofensivo” dizer que as Forças Armadas “vão dar golpe”, mas ressaltou: “Agora o outro lado tem de entender também o seguinte: não estica a corda”. Perguntado pelo repórter Thiago Bronzatto sobre o que isso queria dizer, declarou que não seria plausível “achar que um julgamento casuístico pode tirar um presidente que foi eleito com 57 milhões de votos”. Se referia ao julgamento do TSE. Ramos, que é da ativa, anunciou que já pediu para ser transferido para a reserva do Exército.

Celso Rocha de Barros analisou a situação: “O que essas notas ‘não vai ter golpe, mas não derrubem o Jair’ fazem é garantir imunidade ao presidente da República. Se não pode ser cassado pelo TSE, ele pode fraudar eleições. Se ele não pode sofrer impeachment, pode cometer crimes de responsabilidade dia e noite, como vem cometendo. Se ele pode aparelhar a Polícia Federal impunemente, então não haverá mesmo denúncias contra ele. Se ele pode ameaçar a imprensa sem perder o mandato, não há nada que lhe impeça de continuar exercendo pressão até que ela faça efeito. Pense em todos os políticos corruptos que foram denunciados nos últimos anos. Escolha aquele de quem você gosta menos, aquele contra quem havia provas mais sólidas. Ele não teria sido denunciado se pudesse jogar a carta do golpe.”

Por Outra Saúde

A crise institucional virou uma espécie de rotina e costuma até seguir um roteiro, segundo observam as jornalistas Helena Chagas e Lydia Medeiros na edição desta semana do TAG REPORT:

O Supremo Tribunal Federal toma uma decisão que contraria o governo;

O presidente Jair Bolsonaro não gosta e estica a corda com respostas desaforadas, ameaçando as instituições da República;

As instituições, representantes do Legislativo e da sociedade em geral reagem por meio de notas indignadas nas redes sociais;

Então alguém do governo aparece com declarações amenas para botar “panos quentes”, quase sempre o vice Hamilton Mourão;

Começa tudo de novo.

Cansado disso, o distinto público, um dia, se descuida e quando se dá conta, o regime mudou.

Por Ricardo Noblat

ATAQUES À IMPRENSA

Porque o Brasil não para de piorar um minutinho, temos que fazer menção nessa edição a duas movimentações de censura à imprensa. Uma vem do Judiciário: uma reportagem da RBS sobre o pagamento irregular do auxílio emergencial sofreu censura prévia do juiz Daniel da Silva Luz. Ele atendeu ao pedido de uma mulher suspeita de praticar a irregularidade e que não queria ter sua identidade revelada… Determinou multa de R$ 50 mil à afiliada da Rede Globo em caso de descumprimento. 

A outra vem do governo federal. O ministro da Justiça André Mendonça pediu que a PGR abra um inquérito sob alegação de que o jornalista Ricardo Noblat pode ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional por compartilhar uma charge do cartunista Renato Aroeira no Twitter. A ilustração faz referência à proposta de Jair Bolsonaro feita a seguidores para que invadam hospitais e filmem. Uma cruz vermelha é transformada numa suástica pelo presidente, que carrega um balse de tinta preta e indaga: “Bora invadir outro?”. 

A Rede Sustentabilidade entrou com ação no Supremo para anular a solicitação de Mendonça à PGR, pedindo que o ato do ministro da Justiça seja considerado inconstitucional. Quem resume o sentimento diante de todo esse contexto político é o próprio Aroeira: “Sou mais um aterrorizado do que um terrorista”. 

NOVA DATA

As eleições municipais devem mesmo ser adiadas por conta pandemia, embora a nova data ainda não esteja definida. O presidente do Tribunal, Luís Roberto Barroso, afirmou ontem que o Congresso deve decidir isso até o fim do mês. “Nós oferecemos uma janela, com base em depoimentos científicos, entre 15 de novembro e 20 de dezembro”, disse ele, após reunião com Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre e um grupo de médicos e cientistas. Segundo o presidente da Câmara, uma proposta é fazer o primeiro turno no dia 15 de novembro, e o segundo no dia 6 de dezembro. Outra proposta estabelece os dias 29 de novembro e 20 de dezembro. Em todo caso, Maia defende que isso seja votado o mais rápido possível. Para suprir a redução das campanhas corpo-a-corpo, ele sugere ampliar o tempo de propaganda eleitoral na TV.

Mas, embora os líderes da Câmara e do Senado tenham entrado em consenso sobre a necessidade de adiamento, nos bastidores ainda não se sabe se o Congresso vai aprovar a mudança. Segundo a coluna Painel muitos prefeitos são contra o adiamento, especialmente os que buscam reeleição. E devem pressionar parlamentares – líderes do Centrão já se posicionaram pela permanência do pleito em outubro. Para alterá-lo, é preciso seguir o trâmite de uma PEC, com maiorias na Câmara e no Senado e votação em dois turnos nas casas.

AS INVASÕES

“Seria bom você, na ponta da linha, tem um hospital de campanha aí perto de você, um hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente tá fazendo isso, mas mais gente tem que fazer para mostrar se os leitos estão ocupados ou não, se os gastos são compatíveis ou não”, pediu o presidente Jair Bolsonaro na quinta-feira à noite, em sua tradicional transmissão ao vivo, dizendo que os dados seriam repassados à Polícia Federal e à Abin.

Algumas invasões já haviam ocorrido. Depois da fala de Bolsonaro, houve pelo menos mais duas: no Espírito Santo e no Rio. O episódio gerou, é claro, repúdio de entidades de saúde, e também dos governadores do Nordeste. O ministro do STF Gilmar Mendes tuitou que “Invadir hospitais é crime – estimular também“. Finalmente, ontem, a Procuradoria-Geral da República fez pedidos para que o Ministério Público de alguns estados investigue invasões e ataques a profissionais de saúde. O procurador-geral Augusto Aras, porém, não cita a fala de Bolsonaro nos documentos.

NÓ NA EDUCAÇÃO

IP.TV é uma empresa que tem um aplicativo de sucesso no currículo. Trata-se do Mano, de streaming de vídeos, criado para a campanha de Jair Bolsonaro em 2018 e que teve como garoto-propaganda o senador Flávio Bolsonaro. Durante a pandemia, essa companhia tornou-se a maior fornecedora de tecnologia de educação a distância do país. Oito milhões de alunos de São Paulo, Paraná, Amazonas, Pará e Piauí passaram a consumir seus aplicativos que, segundo reportagem do Intercept Brasildivulgam mentiras e teorias da conspiração bolsonaristas, além de capturar dados pessoais dos usuários

Com capital social de apenas R$ 10 mil, a empresa tem uma sede aparentemente desocupada num pequeno município da Região dos Lagos do Rio de Janeiro. Mesmo assim, os governos a contrataram. Afirmam que receberam recomendações uns dos outros.  

O primeiro contrato foi celebrado bem antes da pandemia, em 2015, com o governo do Amazonas – estado onde a empresa tem raízes. “O proprietário da empresa, Eduardo Patrício Giraldez, é sócio de Waldery Areosa Ferreira Junior, empresário do ramo da educação e acusado de participar de uma rede de prostituição de menores de idade junto com o pai”, revela a reportagem.

Falando em educação a distância, 61% das redes públicas não formam professores para atuar na modalidade. E 21% não tem planos para a evasão que está acontecendo durante a pandemia. Aliás, o governo federal não criou nenhuma medida de apoio ao financiamento da educação nesse contexto de caos sanitário. E os tributos que financiam a educação, como o ICMS, estão em queda – o que pode significar um tombo de menos R$ 28 bilhões no financiamento da educação pública, segundo relatório do Movimento Todos pela Educação.

Outro número, este do Insper, também chama atenção. Segundo a instituição de ensino e pesquisa, a interrupção das aulas durante a pandemia pode reduzir o PIB brasileiro por conta da perda de renda que os jovens podem sofrer com o déficit no aprendizado. Com 34,8 milhões de estudantes na educação básica, a perda de renda dessa geração poderia chegar a R$ 1,48 trilhão na economia do país, o que representa 23% do PIB.

SINAL VERDE PARA INQUÉRITO

O Supremo Tribunal Federal (STF) validou o inquérito das fake news, aberto pela própria Corte e questionado pela Procuradoria Geral da República. A expectativa, como sabemos, é que as provas colhidas durante as buscas e apreensões levem aos filhos Carlos e Eduardo Bolsonaro.

Antes da decisão, o presidente voltou a fazer ameaças ao Supremo. “Eu não vou ser o primeiro a chutar o pau da barraca. Eles estão abusando. Isso está [a] olhos vistos. O ocorrido no dia de ontem [terça], no dia de hoje, quebrando sigilo de parlamentares, não tem história nenhuma visto numa democracia por mais frágil que ela seja. Então, está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar“, afirmou a apoiadores. De tarde, durante a posse do genro de Silvio Santos no recriado Ministério das Comunicações, foi mais enigmático: “Não são as instituições que dizem o que o povo deve fazer. É o povo que diz o que as instituições devem fazer”. Na posse, estava o presidente do STF, Dias Toffoli. Já de noite, novamente em diálogo com apoiadores, comparou: “É igual uma emboscada. Você tem de esperar o cara se aproximar. ‘Vem mais, vem jogando ovo e pedra’”.

Por Outra Saúde

MUI COMPETENTE

Um dos maiores críticos no Congresso do ex-ministro Abraham Weintraub à frente do MEC, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que o ex-titular da pasta trabalhou em banco que “quebrou”, em 2009, ao ser questionado nesta tarde de quinta, 18, sobre a ida do economista para o Banco Mundial como prêmio de consolação. “Não sabem que ele (Weintraub) trabalhou no Banco Votorantim, que quebrou em 2009. Ele era um dos economistas do banco”, disse em entrevista coletiva. Indagado se acha que Weintraub vai quebrar o Banco Mundial, Maia respondeu que a pergunta deveria ser direcionada a quem o indicou para o cargo. Weintraub trabalhou no Banco Votorantim, hoje rebatizado de BV Financeira, por 18 anos. Após ser demitido, foi para a Quest Investimentos na tentativa de gerir ativos de Estados e municípios entre 2014 e 2015, ideia que acabou naufragando pela falta de clientes e investidores. A BV hoje é controlada pelo Banco do Brasil e pela família Ermírio de Moraes, desde 2009.

Abraham Weintraub respondeu às declarações do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sobre seu trabalho no Banco Votorantim. “Digo apenas que o Banco Votorantim NUNCA quebrou e que existe até hoje. A afirmação dele é uma MENTIRA. Tive a honra de trabalhar lá. Comecei como liquidante (boy) e cheguei a diretor estatutário. Fui economista chefe, ranqueado várias vezes no Top5”, afirmou Weintraub. Numa outra publicação, em seguida, escreveu: “Trabalhei no Votorantim por 18 anos. O Banco existe até hoje. NUNCA QUEBROU! Atualmente invisto em títulos da dívida dessa instituição por acreditar em sua solidez e seriedade. Espalhar Fake news sobre a solvência de uma instituição financeira é muito grave”.

Equipe BR Político

EM CANA

A ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia negou, na noite de quinta-feira, 18, o habeas corpus impetrado pela defesa da extremista Sara Winter, líder do grupo “300 pelo Brasil“. Ela foi presa pela Polícia Federal na última segunda por decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes, relator de um inquérito que investiga a organização e o financiamento de atos antidemocráticos. Na quarta, o Ministério Público Federal denunciou Sara por injúria e ameaça contra Alexandre de Moraes. Em depoimento à PF, Sara negou que os integrantes do “300 pelo Brasil” defendam uma intervenção militar no País e disse que não participou do ataque ao Supremo com fogos de artifício no sábado. Ela também disse que atos que foram comparados a Ku Klux Klan, grupo supremacista branco dos Estados Unidos, tiveram inspiração em uma “passagem bíblica”. Ela negou ainda que o grupo recebe ajuda financeira do governo.

Por BR Político

SUMIU

O pastor Valdemiro Santiago de Oliveira, aliado de Jair Bolsonaro e líder da Igreja Mundial do Poder de Deus, começou a vender por R$ 1 mil uns feijões ‘milagrosos’ que curariam a covid-19. A bizarrice foi desmentida pelo Ministério da Saúde em seu site, após pedido do Ministério Público Federal. Mas eis que o alerta sumiu, inclusive da lista da página contra fake news da pasta. O MPF quer explicações.

GENTE DE BEM 1

Hequel da Cunha Osório é o homem que tentou acabar com uma manifestação pacífica na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. Ele é pai de Hequel Pampuri Osório, homem condenado pelo uso indevido de informações privilegiadas, o chamado insider trading, o que é crime no Brasil. Hequel da Cunha Osório é bolsonarista e foi presidente da Companhia Estadual de Gás do Rio de Janeiro (CEG), durante o governo de Marcello Alencar. As informações foram publicadas no Twitter pelo jornalista Eduardo Goulart de Andrade, colaborador do Intercept.

Pampuri atuou como advogado da Amil. Segundo a condenação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), ele utilizou de informações privilegiadas para lucrar com ações da empresa.

Assim como mostrou Eduardo Goulart de Andrade, Hequel comprou ações em nome de sua mãe, Maria Alice Pampuri Osório, "pouco antes da operadora de planos de saúde ser vendida para a gigante norte-americana UnitedHealth". A compra de 8 mil ações foi feita pouco antes da empresa tornar público o negócio, no dia 8 de outubro de 2012. Com a venda das ações, o homem lucrou R$ 40.760. O pai, Haquel da Cunha Osório, apagou todas as redes sociais após seu nome ficar conhecido por ter tentado destruir uma manifestação em homenagem aos mortos da covid-19. O apoiador do presidente Jair Bolsonaro derrubou cada umas das 100 cruzes, que estavam colocadas nas areias para lembrar das vítimas fatais.

FRASES DA SEMANA

“Encaro com tranquilidade os acontecimentos. A verdade prevalecerá! Mais uma peça foi movimentada no tabuleiro para atacar Bolsonaro”. (Flávio Bolsonaro, senador, vulgo Zero Um)

“Discursos de ódio, de destruição do Estado democrático e falas de incitação a crime são contrários aos valores de humanidade. Milícias e organizações formadas para estilhaçar o sistema democrático não têm espaço nem tutela do direito vigente.” (Cármen Lúcia, ministra do STF)

“90% dos chargistas no mundo moderno são humanistas. Vejo cada vez menos charges que machucam o oprimido, vejo uma quantidade gigantesca de charges que batem no opressor. Não mudamos o mundo. Quem muda o mundo é o oprimido que foi explorado, espoliado”. (Aroeira, chargista)

“Na questão da democracia, não se deve dar por assente que as instituições vão funcionar. […] Há liberdade de imprensa, Congresso assumindo posições, mas tem um problema: o povo está em casa com medo do coronavírus. Não se sente reação popular.” (Fernando Henrique Cardoso)

“É vergonhoso, para não dizer ridículo, que agentes públicos se prestem a alimentar teorias da conspiração, colocando em risco à saúde pública”. (Gilmar Mendes sobre as invasões de hospitais estimuladas pelo Bolsonaro)

“Estamos sendo a toda hora testados. A sociedade começa a tomar consciência disso. Houve certa anestesia, mas as instituições têm demonstrado resiliência. Manifestações de rua são importantes no sentido de dizer que tem limite para tudo isso”. (Gilmar Mendes, ministro do STF)

“A missão institucional das Forças Armadas na defesa da Pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem não acomoda o exercício de poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”. (Luiz Fux, ministro do Supremo Tribunal

Com informações de Leonardo Sakamoto, Josias de Souza, Ricardo Noblat, Reinaldo Azevedo, Carta Capital, Outra Saúde, Sul 21, o Globo, Fórum, Veja, Dora Kramer, BRPolítico, Vera Magalhães, Marcelo de Moraes e Radar

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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