16/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

A Farsa do CEO Pé Quente em dois atos

Publicado em 13/04/2018 12:00 - Rodrigo Amém

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O mundo estava caindo nas nossas cabeças e não tivemos tempo para prestar muita atenção no Mark Zuckerberg depondo ao Congresso dos EUA. Compreensível. Aqui, o circo da prisão do Lula ainda monopolizava a mídia. E mesmo lá no Tio Sam, as palhaçadas do Trump oscilavam entre declarações de guerra contra a Síria e a Rússia no Twitter e investigações do FBI sobre seu envolvimento com prostitutas.

Nesse cenário animado, um bando de velhinhos apontando o dedo na cara da pessoa menos carismática do mundo realmente não potencializa o tráfego.

E foi assim, meio na sorte, que o dono do Facebook escapou de fininho da prensa dos vetustos políticos. Depois de dois dias de sabatina, falou, falou e não disse nada.

Se sua empresa lucra vendendo os dados de seus usuários ou se seu algoritmo faz vista grossa para Fake News, o interrogatório dos senadores não conseguiu trazer qualquer tipo de esclarecimento sobre as práticas da empresa.

Acontece que Zuckerberg fez sua lição de casa. Se vestiu, comportou e respondeu aos congressistas exatamente como manda o figurino. Não havia um movimento de pescoço que não fosse meticulosamente pensado e ensaiado. Ele claramente passou por algum tipo de "coaching" para essa situação.

Respondeu o que interessava, reformulou as questões que lhe pareciam menos interessantes ao seu contento, esquivou-se de qualquer pergunta mais cabeluda.

O que se notou, no entanto, foi algo mais trágico: o absoluto despreparo dos senadores sobre o tema.

Um exemplo icônico deste despreparo foi a pergunta do senador Orrin Hatch. Do alto dos seus 84 anos, Hatch perguntou como era possível que o Facebook desse lucro sem cobrar mensalidade de seus usuários. Um atônito Zuckerberg respondeu, depois de alguns segundos: "Senador, nós publicamos anúncios".

Veja, é claro que ninguém espera que um político seja especialista em todos os temas que examina durante seu mandato. Mas um mínimo de preparo e assessoramento para colocar na berlinda uma pessoa sabidamente sagaz seria esperado. Será que nenhum congressista assistiu ao filme "Rede Social"?

Aliás, é necessário que se diga que Zuckerberg não é santo e Facebook não é o paraíso. Muita coisa sórdida rola sob o tapete dos "algoritmos". E isto apenas confirma: fosse mesmo o caso de apurar responsabilidades e propor mudanças, faltou preparo, faltou substância.

Meu ponto é exatamente esse: não foi descuido. O objetivo do Congresso era outro.

Uma parte considerável da imprensa viu nesses dois dias de interação entre a velha casta política e o novo bilionário da tecnologia uma luta de gerações. Uma prova da defasagem do legislativo diante das forças disruptivas das novas mídias. Pode ser. É meio romântico, mas pode ser.

O que eu vi foi outra coisa. Uma direita reaça, flagrada com as calças – e os hackers russos – na mão, tentando culpar o dono do estádio pela sua trapaça no jogo.

Eu vi o abjeto Ted Cruz insinuar que o Facebook tem uma tendência esquerdista e por isso persegue as páginas de conteúdo de direita ou conservador. Quando, na verdade, fake news e discurso de intolerância dessas páginas é a maior razão para as interferências do Facebook.

Eu vi um sem-número de políticos fazendo perguntas-samambaia, sem qualquer profundidade, de dedo em riste. Uma imagem que usarão ad nauseam nas suas campanhas de eleição. "Fulano tem coragem de confrontar os liberais poderosos do Vale do Silício. Vote em fulano". O anúncio, é claro, terá trilha dramática e locutor de voz profunda. Só não terá o áudio original da interação. Não terá a resposta constrangedora: "Senador, nós publicamos anúncios".

Infelizmente, para estes vetustos senhores e senhoras, as pataquadas trumpistas falaram mais alto e o teatro Congresso em ano eleitoral x Facebook não causou a comoção esperada.

Pior que um Zuckerberg preparado, é um Zuckerberg preparado e pé quente.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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