29/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

O violino e o faxineiro

Publicado em 01/09/2017 12:00 - Rodrigo Amém

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Steve Bannon foi o estrategista da extrema direita responsável pela eleição de Trump. Com os conflitos raciais de Charlotsville, ele precisou ser afastado da Casa Branca, mas saiu de bom grado. Como declarou em uma entrevista, Bannon não está preocupado com o fraco desempenho de Trump. O discurso da oposição vai garantir a perpetuação da direita no poder. "Enquanto eles continuarem falando de política de identidade, nós vencemos. Eu quero que eles falem de racismo todo dia. Enquanto a esquerda focar em identidade e raça, nós esmagaremos os Democratas".

Bannon tem razão. Políticas de identidade são o calcanhar de Aquiles do discurso da esquerda. Se quiserem chegar ao poder, as esquerdas precisam parar de falar de igualdade social. Eu sei. É horrível. Mas deixe-me explicar:

É uma questão de números. Democracia é um jogo de popularidade. O candidato com plataforma mais ampla sai na frente na disputa. O problema é que muitos políticos confundem plataforma ampla com falta de foco. "Governar para todos" é governar para ninguém. Eleitor não vota no candidato que quer cuidar do maior número de pessoas. Eu não escolho o candidato "de todos". Eu escolho o "meu candidato".

E a mensagem política da igualdade social tem esse problema inerente. É sempre sobre os benefícios para "o outro". Mas, mesmo entre as minorias, não são todos que se identificam no perfil protegido pelo discurso da esquerda.

Somando extremistas, neoliberais, populistas, conservadores, fascistas, pentecostais e os eleitores do centrão, o discurso da esquerda leva desvantagem por falar apenas para a minoria desconstruidona.

O brasileiro não quer ouvir falar nas dificuldades das minorias. Ele está muito preocupado com o próprio pirão e a escassez da farinha. O candidato que tem apelo é aquele que promete, com pulso firme, cuidar do "meu" problema. E o "meu" problema não tem nada a ver com ciclovia, reserva indígena ou tombamento de prédio antigo. Não me fale de menores carentes. Quero saber o que você pretende fazer por mim.

O brasileiro não quer ouvir falar nas dificuldades das minorias. Ele está muito preocupado com o próprio pirão e a escassez da farinha. O candidato que tem apelo é aquele que promete, com pulso firme, cuidar do ‘meu’ problema.

Se quiser voltar a ganhar eleições, a esquerda precisa sequestrar a tônica do discurso de direita. Parar de falar de cuidar "do outro" para falar "de você". Tem que prometer atrair mais fábricas. Tem que falar em colocar mais polícia na esquina. É infantil, mas nossa democracia também é.  

A essas alturas, os dois marqueteiros socialistas que leem esta coluna devem estar esbravejando. "Mas isso é o que todo candidato de direita fala!" Sem dúvida. Não se engane, amigo marqueteiro. A esquerda não chegou ao poder pelo discurso, mas pela desilusão alheia. Uma parte do eleitorado de centro votou no PT depois de décadas de frustração com o PMDB e o PSDB. Votou para "dar uma chance". Votou pelo protesto. Votou porque não tinha nada a perder. E, ainda assim, depois de uma grave atenuada de discurso, com a versão "Lulinha Paz e Amor".  Ninguém votou no PT por sua postura em favor dos movimentos sociais. Não há motivos para acreditar que será diferente com PSOL, Rede ou com quem quer que seja.

Isso significa que estou propondo o fim das políticas de promoção de igualdade social? Muito pelo contrário.

Esperidião Amim certa vez disse: "O poder é como um violino. Toma-se com a esquerda e toca-se com a direita". Parece o slogan interno do PT, eu sei. Mas o que eu proponho é exatamente o oposto. Proponho uma campanha com tom de Programa do Ratinho, batendo o cacetete na mesa e prometendo "acabar com a palhaçada". Proponho um programa de governo com uma ou duas propostas espalhafatosas, para criar alvoroço e agitar as velhinhas de Taubaté. Proponho o populismo de direita como plataforma eleitoral da esquerda.

Uma vez eleito, o governante de esquerda pode (e deve) implementar as políticas sociais necessárias para combater a desigualdade, o preconceito, o machismo. Até porque, se o poder é como um violino, a administração pública funciona feito faxineiro de motel: seu trabalho é arrumar a bagunça que a população finge não ser de sua responsabilidade. Mas ninguém que vai ao motel quer pensar no trabalho do faxineiro.

Leia outros artigos da coluna: Meia Pala Bas

Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *