16/04/2024 - Edição 540

True Colors

Como percebi o racismo na comunidade LGBT+

Publicado em 28/11/2018 12:00 - Bruno Costa - VICE

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

"No mundo hétero, acho que eu sofro mais preconceito por ser gay e no mundo gay eu sofro mais preconceito por ser negro". Essa frase eu escutei de um personagem no trailer do documentário Waiting for B (abaixo), de 2017 e, desde então, foi o clarão necessário para perceber que não estava sozinho. E isso sempre foi uma conclusão para mim: sofri muito mais preconceito na sociedade por ser gay e, entre os LGBTs, por ser negro.

A resposta do por que isso acontece talvez seja que a comunidade LGBT+ ainda está impregnada com a heteronormatividade, em que os mais aceitáveis ou desejados são os gays brancos, que fazem a linha masculina e muita vezes aparentam ser ativos. Ser o oposto disso, que é exatamente o que eu sou, é lutar contra uma maré.

Desde a escola, lembro de alguns colegas me associarem como a pessoa que rouba, que é trambiqueira, promíscua e escandalosa, mesmo na brincadeira. Simplesmente pela minha cor e ao menos, sem me conhecerem. Na época, isso nunca foi uma chateação. Com a maturidade, pude compreender o que esse discurso e percepção representava para a sociedade preconceituosa, que você deve saber como é.

Na adolescência até a fase adulta, os comentários que me perturbavam eram sempre de que eu não deveria reproduzir as coreografias que as divas, principalmente a Beyoncé, faziam. Sempre ouvia um: "amigo, não". E foi nessa época que eu comecei a perceber que eu nunca fui uma pessoa que recebeu algum tipo de cantada em lugar público e sempre coube a mim ir atrás dos meus crushes. E com o tempo, fui notando os realces de racismo velado e sentindo a solidão do homem negro LGBT+.

"Nunca fiquei com um negro, gostaria de provar"

Aplicativos, por exemplo, fujo deles. E essa distância é pelas coisas que leio e pelas terríveis experiências com pessoas que se colocam acima das outras por estarem presas ao padrão heteronormativo, sem ao menos perceber o quão racista são, na prática. O que escuto há anos é que a comunidade LGBT+ é uma das mais preconceituosas que existem, e isso eu vivo na prática.

Inclusive, para produzir este artigo, conversei com pessoas LGBTs, homens e mulheres, para saber deles um pouco de alguns casos que já tenham sofrido. Duas coisas foram unânimes: o relato de fetiche de pessoas brancas com o que eles idealizam sobre as pessoas negras. "Nunca fiquei com um negro, gostaria de provar", foi o que ouviu o Émerson Vinicius Costa, 28.

"É comum escutar que os gays são preconceituosos e ouvir isso da boca de quem é LGBT+"

E não para por aí. O Victor Rodrigues, 22, já foi cantado com "você não é negro, você é, sei lá… Tem um bronze meio… latino". O cara se sentiu atraído por isso. Outro ponto é que esse tema ainda é um lance de reflexão e entendimento que não está claro, e que são esses casos pontuais que nos fazem perceber o comportamento racista de algum amigo ou até mesmo de um companheiro.

É comum escutar que os gays são preconceituosos e ouvir isso da boca de quem é LGBT+, assim como perceber que o padrão heteronormativo se sobressai pela causa LGBT+. A luta contra o racismo na sociedade nunca irá cessar. Essa é uma batalha constante, igualmente dentro da comunidade, onde os seus sofrem apenas por ser quem são, mas reproduzem os reflexos machistas e discriminatórios de uma sociedade intolerante. Até quando serei um corpo discente que não se encaixa em nenhum lugar por não seguir o padrão?

Leia outros artigos da coluna: True Colors

Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *